Mondovino | Crítica
<i>Mondovino</i>
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É a globalização, no fundo, a grande vilã dos documentários panfletários que fazem sucesso nos últimos tempos. Seja quando Michael Moore ataca a General Motors e George W. Bush ou quando Morgan Spurlock se entope de McDonalds, eles estão criticando a domesticação das idéias, dos costumes, de um paladar industrializado - tudo obra de uma padronização global. Não é diferente com a produção francesa Mondovino (2004). É pior.
Afinal, poucos entendem mais de protecionismo, de orgulho provinciano, do que os franceses. Filho de um jornalista e correspondente internacional, Jonathan Nossiter nasceu em Washington, mas cresceu entre França, Inglaterra, Itália, Grécia e Índia. Começou a se interessar por vinhos aos quinze anos, quando trabalhou como garçom em Paris. Bem antes de migrar para o cinema se formou enólogo. O seu contato com vinicultores facilitou o desenvolvimento de Mondovino.
O documentário aborda os males modernos que se abatem sobre essa cultura milenar, freqüentemente ligada a paixões, devoções, lições de vida. Nossiter visitou vinhas em Borgonha, Sardenha, Bordeux, Califórnia, Argentina, Pernambuco. Sempre com o intuito de mostrar as diferenças entre os pequenos produtores e os gigantes multinacionais, constrói ligeiro, rápido mesmo, o seu maniqueísmo.
Os bons, claro, são aqueles que valorizam o terroir - termo francês intraduzível, que significa a comunhão de clima e terreno onde se planta uma uva específica. São os donos de poucos hectares, normalmente filhos dos filhos que herdaram técnicas artesanais. Os malvados utilizam a tecnologia para inflar o potencial mercadológico onde quer que se deseje colher. Manipulam o produto para que se encaixe no gosto dos críticos especializados. Nossiter define logo: àqueles interessa o vinho, a estes a marca.
Céu azul
O assunto é realmente pertinente, ainda mais por sintetizar, no domínio prazeroso de Baco, todo o conflito entre identidades nacionais e competição mundial que marca o nosso dia-a-dia. Há temas específicos preocupantes, como todo o processo que visa uniformizar os vinhos ao gosto popular: desde a eliminação dos taninos (substância adstringente da casca das uvas) até o envelhecimento em tonéis precoce que aumenta a oferta. O problema é somente a maneira canhestra com que Nossiter simplifica todas essas questões.
É uma lição - ainda que de pré-primário - de como manipular a audiência com imagens, sem a necessidade de um texto em off. Todo vinicultor idoso que periga chorar em seu depoimento o diretor logo enquadra para não perder as lágrimas. São entrevistados entre cachos, em contato com a terra. Já os empresários frequentemente se vêem em uma cacofonia de celulares, de corre-corre. Nossiter não perde uma chance de ridicularizar os malvados: as esculturas no jardim, o mexicano empregado e o robô que limpa a piscina do californiano Garin Staglin são bem mais focalizados do que o próprio entrevistado.
Seria subestimá-lo dizer que Nossiter, como qualquer um que tenha comprado recentemente uma câmera digital, filma tudo o que surge pela frente sem distinção ou regra. Os planos mal enquadrados, tremidos, muitos repetitivos e sem sentido, realmente se enumeram por 130 minutos, mas desqualificá-lo seria arredondar, para baixo, as suas escolhas visuais.
O uso da luz é sutil. O casal Columbu, debaixo do sol da Sardenha, é filmado num contraste como se fossem aparições divinas. Já o encontro de pai e filha De Montille, símbolos da escola rigorosa, ocorre na tal penumbra de uma cave que parece ser obra também de um desígnio maior, um episódio histórico. Nesses momentos Nossiter sabe tomar posição com elegância. E quem decupou esse material - o montador por acaso é o próprio diretor - soube bem encadeá-lo.
Repare no céu azul da Sardenha, logo no começo. Cabeças são meio cortadas para que ele mostre o céu. É assim no pôster. É assim o filme todo. Não é possível que seja só inexperiência de cinegrafista. E o significado fica claro quando Nossiter enquadra um avião, esse símbolo nefasto e barulhento da globalização, passando entre nuvens cinzas. As melhores uvas crescem em climas amenos e ensolarados. O azul do céu é o sinal poético - ainda que invertido - do terroir, do chão, daquela terra, daquela tradição.
Não é viagem. Nossiter procura símbolos do purismo em todo canto, inclusive em cães - animais valorizados pelo seu faro. É bem possível que você se pergunte por que ele tem tanta fixação por cachorros. Parece zoofilia, mas há também dicas de que seja sentido conotativo. O primeiro aparece saboreando um pedação de queijo. Muitos surgem correndo nos vinhedos. O filme termina com eles. E justamente o cachorro do übercrítico Robert Parker lhe afeta o olfato por sua tendência à flatulência.



