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Justiça | Crítica

<i>Justiça</i>

22.06.2004, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H16

Justiça
Brasil/Holanda, 2004
Documentário - 100 min.

Direção: Maria Augusta Ramos
Roteiro: Maria Augusta Ramos

Maria Augusta Ramos não perde tempo. O seu documentário Justiça (2004), que retrata a rotina do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Setor de Custódia da Polinter (Delegacia Especial de Polícia Interestadual), começa sem apresentações, com o julgamento de um jovem negro. Estão presentes o juiz, a escrivã, a promotora, o réu e uma defensora pública escalada para advogar gratuitamente em sua causa. No relatório da ocorrência consta que ele foi preso em flagrante, acusado de roubo durante o Carnaval, enquanto tentava pular um muro para escapar da polícia. O réu contesta. Afinal, como o espectador pode logo confirmar, o jovem anda de cadeira de rodas.

Outras passagens do filme provocarão igual perplexidade, mas a diretora já se fez entender. A Justiça do país carece de bom senso, de coerência, de reforma. E precisa urgentemente ser desvendada. A maioria dos brasileiros nunca entrou num tribunal. Pois a câmera de Maria Augusta revela o fígado de um mundo que o folclore reduz a papéis, jargões empolados e julgamentos televisionados no circo da mídia.

Conhecemos um acusado reincidente de roubo de carro, Carlos Eduardo. A juíza Fátima, cuja intolerância beira o cinismo, trata de expor as contradições evasivas do réu. E encerra a sessão preliminar incumbindo a defensora pública Ignez de responder, a partir daquele momento, pela defesa. Carlos Eduardo volta para a cela. Numa faculdade de Direito, o professor e juiz Geraldo discursa sobre as brechas da lei que obrigam os magistrados a lidar com suposições. Enquanto isso, surge a mãe de Carlos Eduardo e a namorada, grávida do segundo filho, em visita à carceragem da Polinter.

Os atores dessa tragédia social estão todos presentes. Maria Augusta opta por não realizar entrevistas, apenas registrar a ação. Até o fim do documentário acompanharemos o caso, a vida de cada envolvido. No jantar, Ignez debate com a família a situação social do país; no dia seguinte discute com Carlos Eduardo meios de reduzir a pena. Dra. Fátima organiza a solenidade do dia em que se tornará desembargadora estadual. Dr. Geraldo segue com os seus julgamentos de rotina no tribunal. E a mãe de Carlos Eduardo vai à igreja.

Não é difícil prever o final, mas o que interessa em Justiça são os meios. Julgamentos são conduzidos diariamente em ritmo taylorista, juízes defendem em tribuna mais rigidez diante da criminalidade, delegacias se inflamam e eventuais inocentados são entregues à própria sorte. Apoiada na edição de imagens (a contraposição de "bastas!" tem poder ilustrativo) e na escolha de tomadas (a cena em que o absolvido Alan deixa o tribunal em trapos na madrugada para pegar o ônibus é emblemática do colapso), Maria Augusta resume todo esse ambiente caótico com clareza e perspicácia.

Mas há outro dilema saliente no filme. Abolir entrevistas evita que o documentário caia na chamada ditadura dos depoimentos, em que todo testemunho logo é visto como verdade incontestável. Mas ignorar a presença da câmera, agir como se ela não estivesse lá, torna mais aguda a questão do distanciamento, da imparcialidade, da naturalidade. A advogada Ignez, por exemplo, dá esmola pelo vidro do carro - como saber se ela não faz isso apenas em cena? A mãe de Carlos Eduardo chora constantemente - em que medida o faz para sensibilizar os realizadores?

São dois temas pertinentes - o labirinto penal e a linguagem dos documentários - que Justiça abre para discussão.

Nota do Crítico
Bom
Justiça
Justiça - Documentário
Justiça
Justiça - Documentário

Ano: 2004

País: Brasil/Holanda

Classificação: LIVRE

Duração: 100 min

Direção: Maria Ramos

Roteiro: Maria Ramos

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