Durante as quase 2h de duração de If I Had Legs, I’d Kick You, dificilmente a câmera da diretora e roteirista Mary Bronstein se afasta muito do rosto de sua protagonista, a psicóloga Linda, interpretada por Rose Byrne, que precisa lidar com problemas que só se acumulam (um vazamento bizarro no apartamento, o arranjo de estacionamento irritante da escola da filha, o seu tratamento para um transtorno alimentar raro, e por aí vai) no decorrer do longa. Pior ainda: ninguém parece realmente disposto a ajudá-la, muito menos os homens ao seu redor. O marido, pai da criança, só ouvimos ao telefone - ele trabalha em um cruzeiro e não está presente no dia-a-dia da família; o chefe, outro psiquiatra vivido por (um excelente) Conan O’Brien, já começa o filme tentando se afastar da personagem.
Acontece que eles, como outras figuras masculinas na vida de Linda (um novo vizinho interpretado por A$AP Rocky entra rapidamente nesse rol), também gostam do sentimento de satisfação que vem de posar como o “resolvedor de problemas” na vida dessa mulher complicada. O que fazem, para isso, é entrar em cena quando a situação já passou do ponto do desespero e agir como se cada mero movimento que fazem na direção da conveniência de Linda fosse um grande ato de altruísmo. E ela cai no conto do vigário repetidamente, também: diante da corrida de obstáculos hostil e solitária em que se transformou sua vida, qualquer ato de civilidade fica parecendo heroísmo.
Esse é um dos melhores insights que o texto de Bronstein tira da cartola, e um dos impulsos mais complicados - até por ser um tanto antipático - que ela pede de sua protagonista. Conhecida por comédias (Missão Madrinha de Casamento, Vizinhos), terrores (Sobrantural) e blockbusters (X-Men) de sucesso, Rose Byrne entrega aqui uma performance que se choca com todas as personas que ela se mostrou capaz de ocupar em Hollywood. O seu nervosismo e impulsividade podem ter algo de cômico, sim; a forma como Linda cambaleia de adversidade a adversidade sem muita estribeira também faz dela uma espécie torta de scream queen, alguns podem argumentar; e é preciso carisma de superestrela para segurar, quase sozinha, um filme que depende tanto do seu rosto; mas, entre tiques e entonações vigiados em extremo close-up pela fotografia, no entanto, ela também mostra entender profundamente as frustrações que empurram essa mulher para o fundo do poço.
Como deu para perceber, If I Had Legs, I’d Kick You não é exatamente um prato cheio para quem gosta do seu cinema com um adicional de otimismo - mas, ao menos, a sua crueldade tem propósito. Em seu segundo longa-metragem (o primeiro, Yeast, contou com uma Greta Gerwig pré-estrelato no elenco), Mary Bronstein pinta um retrato impiedoso do isolamento e da volatilidade do ser mãe, das pressões sociais que, por sua vez, criam ansiedades e medos inverbalizáveis. Pior: quando eles finalmente escapam, porque precisam escapar, pela boca amarga de quem está os reprimindo, esses medos são seguidos por olhares de desaprovação, movimentos de desvencilhamento, e portanto ainda mais isolamento.
É um ciclo vicioso que vai girando e girando na direção de um desastre anunciado, mas nem por isso menos trágico. O ponto de If I Had Legs é justamente não nos permitir que, como os homens na vida de Linda, “resolvamos tudo” num passe de mágica e afastemos os olhos da bagunça que ficou para trás. Aqui, estamos com ela até o fim - e o fim não é nada bonito.
Ano: 2025
País: EUA
Duração: 113 min
Direção: Mary Bronstein
Roteiro: Mary Bronstein
Elenco: Rose Byrne, Conan O'Brien, Danielle Macdonald