Dois Destinos | Crítica
<i>Dois destinos</i>
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Quem conhece a herança de engajamento do Neo-Realismo italiano, assim como as trajetórias do diretor Valerio Zurlini (1926-1982) e do astro Marcello Mastroianni (1924-1996), logo pressupõe que Dois destinos (Cronaca familiare), filme de 1962 que une os três elementos, seja um melodrama fortemente politizado. A conclusão está correta, mas seria um pecado reduzir o clássico a apenas essa classificação.
Na verdade, Dois destinos supera a simples reconstituição histórica e, ainda hoje, serve como exemplo do uso austero da linguagem cinematográfica na busca da um maior aprofundamento de discussões existenciais. Tanto na técnica quando na narrativa, o filme ensina como dispensar artificialidades e se concentrar no tema tratado. Um exercício de concisão importante, considerando-se o discurso vago e fragmentado dos tempos atuais.
A coesão começa a partir da honestidade do roteiro. Logo de cara, o público fica sabendo, assim que o jornalista Enrico (Mastroianni) recebe um telefonema, que o irmão dele, Lorenzo (Jacques Perrin), acaba de falecer. A partir daí, a película conta, em flashbacks, como a convivência de Enrico (criado pela avó miserável, decidido e independente, apesar de sempre pobretão) e Lorenzo (adotado por aristocratas quando bebê, educado nas melhores escolas, mas folgado e dependente) sempre atravessou duros conflitos ideológicos. Sem trucagens ou reviravoltas. Apenas um sóbrio retrato de laços de sangue e barreiras sociais que ora atraem, ora afastam as pessoas.
Para trilhar tal caminho, o cineasta tem a seu lado Giuseppe Rotunno, diretor de fotografia de alguns dos filmes mais importantes de Zurlini, Visconti, De Sica, Fellini e Cia. Com matizes desbotadas, claridades anêmicas e escuridão sempre impositiva, Rotunno evita o show de cores e investe num quase monocromatismo - mais condizente com a proposta de Zurlini. Finalmente, o diretor confia no trabalho impecável de Mastroianni e Perrin, tanto que resume o elenco a um número mínimo de personagens, nunca mais importantes do que os dois protagonistas.
Claro, de nada valeria o minimalismo se a alma do filme não tivesse certa energia. E o drama dos irmãos ganha significados mais ricos se o espectador souber entender o cenário político da época, o pós-Guerra. A disputa entre os dois blocos antagônicos cresce na Itália, no mundo, e Zurlini soube traduzir essa dicotomia ao distribuir as personalidades opostas dos dois irmãos. Não à toa, o diretor reserva para o final a revelação crucial da orientação política de Enrico.
Enfim, Dois destinos é uma metáfora política, um belo exercício técnico e um drama familiar e existencial. Difícil, demanda atenção. Mas é um filme completo.

