Contra o Tempo | Crítica
Pastelão de Rap e Kung-Fu ao molho Joel Silver
Alguma vez você, leitor, se perguntou por que o Omelete se chama Omelete, os colaboradores são os Cozinheiros, mas nunca apareceu no site a receita de algum quitute caseiro? Um feijão tropeiro ou aquele bolo de cenoura?Pois agora nós corrigimos a falha e ensinamos você a confeccionar um legítimo produto hollywoodiano descartável.
A receita do dia é... tcharam!!!! Pastelão de Rap e Kung-Fu ao molho Joel Silver!!!
Ingredientes
Você vai precisar de:
01 Diretor iniciante - O polonês Andrzej Bartkowiak, escolhido para a receita, não é exatamente um principiante. Já fotografou 31 filmes desde 1976. Mas como diretor, se encaixa direitinho no padrão: submisso ao megaprodutor, acomoda-se sem palpitar muito nem criar caso. Em um filme dirigido principalmente pela Segunda Unidade (equipe responsável pelas cenas de ação), não é preciso muita coisa.
01 Chinês - Serve qualquer astro do cinema de artes marciais que tenha visto de entrada nos EUA. Recomenda-se Chow-Yun Fats nos pratos mais rebuscados. Jackie Chans são habitualmente usados em doces. Aqui empregaremos o bom, velho e polivalente Jet Li, eficiente no humor e na pancadaria.
01 Rapper Careteiro - Obrigatoriamente, deve ter porte físico avantajaco, codinome invocado, ser mal-encarado e cantar grosso. Talento é opcional. Na nossa receita utilizaremos DMX, figura carimbada dentro do gênero corre-bate-explode de Hollywood. A mistura com Let Li já foi testada em 2000, com Romeu tem que morrer e, aparentemente, não causou nenhuma infecção estomacal.
01 Vilão Monossilábico - O havaiano Mark Dacascos tem o melhor emprego do mundo: pode passar tanto por chinês como por índio (devido às feições exóticas), bota banca de machão e não tem de se matar para decorar falas. Sempre entra mudo e sai quase calado, seja lutando do lado do Bem ou do Mal. Top de linha dentro dos atores de segundo escalão, é indicado para qualquer tipo de prato.
Vários Coadjuvantes - A salada é composta por cinco ingredientes principais: um gordo engraçado (Anthony Anderson, de Canguru Jack), uma morena gostosa (Gabrielle Union), uma assistente de vilão (Kelly Hu, de X-Men 2), uma criança chorona (Paige Hurd) e um branquelo estúpido (Tom Arnold). Detalhe importante: todos devem ter noções básicas de artes marciais.
01 Joel Silver - Para fechar a lista, o ingrediente indispensável: o megaprodutor. Silver sabe tudo de efeitos especiais e quase nada de cinema. Se você quer que os seus clichês saiam impecavelmente idênticos à fórmula padrão, este é o homem. Coleciona dúzias de sucesso e, por isso mesmo, tem acesso aos milhões de dólares necessários para o cozimento do Pastelão.
Modo de Preparar
Junte numa fôrma o produtor, o diretor e, aos poucos, o elenco. Abra o filme com um grande roubo de jóias - no caso, misteriosos diamantes negros. O rapper faz o ladrão, mas o público se identifica com ele devido ao esquema paternalista com que comanda sua quadrilha. Adicione o chinês, que interpreta, obviamente, um agente da Inteligência de Taiwan. A sequência de apresentação do chinês deve conter uma acrobacia irrealizável. Mostre o rapper bonzinho em casa, com a filha. Em seguida, introduza os vilões sem apresentações, que sequestram a menina, em troca das jóias.
Transforme o rapper e o chinês em aliados contra os malvados. Arrisque uma sequência de luta inusitada, com cães. Outra com lutadores de vale-tudo que desafiam o chinês. Importante: as duas sequências não precisam ter ligação com a trama nem efeito direto no desfecho do Pastelão; o que vale é a porrada inconseqüente. Depois disso, siga o esquema consagrado: perseguições de carros, lutas em boates, quedas de helicópteros. Faça as jóias mudarem de mãos a cada quinze minutos.
Inclua valores tipicamente norte-americanos, como a família e a guerra, de forma extrema. Recomendamos o branquelo estúpido dentro de um tanque de guerra, atirando nos terroristas e traficantes de armas nucleares, sejam eles franceses, árabes ou asiáticos. O quê? Você ainda não tinha introduzido a temática da intriga internacional e do perigo atômico? Pois inclua-os no seu Pastelão, sem se preocupar com o excesso incoerente de misturas.
A luta final e fatal entre os dois antagonistas deve ocorrer na chuva, dentro de um círculo de fogo.
Deixe dourar por 101 minutos. Se você desconfiar que o Pastelão ficou trash demais, adicione pitadas de infames piadas auto-referentes durante os créditos finais. Soa cool. Mesmo assim, se o resultado não fizer sucesso nos Estados Unidos, sirva aos mercados mais famélicos, acompanhado de grande campanha de marketing. Anuncie o CD da trilha sonora. Realize pré-estréia fechada com apresentações ao vivo de kung-fu. E compre um bom espaço na MTV para transmitir trechos exclusivos do Pastelão.