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Crítica

Carmen | Crítica

Recheado de metalinguagem

MH
18.06.2003, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H14

Afastado do ofício de cineasta devido a uma misteriosa doença, Jean-Luc Godard (o próprio Godard) se encontra numa espécie de hospital psiquiátrico. Sua sobrinha, Carmen (Maruschka Detmers), o visita com uma proposta: quer que o tio comande um documentário idealizado por ela e seus amigos. Pouco depois, a moça invade um banco e seduz um dos guardas locais, Joseph (Jacques Bonnaffé), que abandona o posto e, apaixonado, foge com a ladra. Logo o espectador descobre: Carmen e seu bando planejam assaltar um hotel disfarçados de equipe de filmagem. O pobre Tio Jean serviria para dar alguma credibilidade ao golpe - e Joseph acaba envolvido na intriga também. Este é um resumo de Carmen (Prénom Carmen), dirigido por Godard, de 1983.

Ufa! Está vencido, assim, o desafio de reduzir o universo godardiano a uma sinopse. Mas saiba que, como em todo resumo, os detalhes se perdem. Não espere na tela a mesma fluência do parágrafo acima, nem a mesma linearidade (a salada de cortes irregulares, tramas paralelas e trilha sonora descompassada começa a ficar compreensível somente lá pelo minuto 35...). Afinal, trata-se de um exemplar da fase mais auto-indulgente e hermética do cineasta francês, longe de clássicos acessíveis como Alphaville e O Desprezo (Le Mépris), respectivamente de 1965 e 1963.

Tudo se baseia no romance homônimo de 1845, do escritor parisiense Prosper Mérimée (1803-1870). Mas se não fosse a coragem de Georges Bizet (1838-1875) em adaptar o texto para o palco em 1875, a ópera Carmen jamais se imortalizaria. Da história da cigana de temperamento explosivo, que causa a desgraça de um homem ao desviá-lo da carreira militar, Godard conserva o essencial - a falta de comunicação entre casais apaixonados, temática tão comum em seus filmes. Em certo momento, Joseph pergunta: "Por que as mulheres existem?". Em outra oportunidade, é a vez de Carmen: "Por que os homens existem?". E o filme segue esse passo de desencontros até o desfecho trágico.

Por beirar o prolixo, o aborrecido e o absurdo, a relação dos dois ameaça, a todo instante, afundar o filme na chatice. Por isso, vale prestar atenção em outras particularidades. Quando Carmen visita Godard, no início do filme, ele justifica o ostracismo: "Não é hora de abrir os olhos, mas de fechá-los". A frase é emblemática. Através dela, fica mais fácil compreender a verdadeira sinfonia do caos que toma o filme do início ao fim. E não poderia ser diferente, já que se trata da adaptação de uma ópera. Mas Godard se empenha em sobrepor o constante Beethoven a barulhos insistentes: batuques, objetos atirados ao chão e à parede, mar, gaivotas, carros, tiros, máquinas de escrever, máquinas caça-níqueis e até o som de um homem gordo comendo papinha de nenê.

Musicalmente, Carmen provoca impacto, mas nada que não se possa conferir também em outros trabalhos do diretor. É na participação do próprio Godard, aparentemente um mero coadjuvante, que se encontra o grande diferencial. Graças às tiradas do personagem/diretor, Carmen tem alguns momentos iluminados. Ao assumir um veterano cineasta com indícios de loucura, que sempre carrega consigo um enorme som portátil, uma régua numerada e um charuto, Godard discursa e exibe um desencanto - com o mundo e com o cinema - muitas vezes amargo, mas frequentemente brilhante.

A dedicatória após os créditos ("Pela memória dos filmes pequenos") deixa claro que Carmen trata, realmente, da difícil convivência entre Godard e a indústria do cinema. Num filme com uma proposta promissora, que poderia ter sido 100% genial, descarte os 75% incompreensíveis e aproveite esses 25% metalinguísticos, que são recompensadores.

Nota do Crítico

Bom
Marcelo Hessel

Carmen (1983)

Carmen

1983
102 min
Drama
País: Espanha
Classificação: LIVRE
Direção: Ernst Lubitsch, Vicente Aranda
Roteiro: Joaquim Jordà, Vicente Aranda
Elenco: Pola Negri, Paz Vega, Leonardo Sbaraglia, Antonio Dechent, Joan Crosas, Jay Benedict, Joe Mackay, Josep Linuesa
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