Ararat | Crítica
<i>Ararat</i>
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Pelas leis do cinemão, a reconstituição de uma guerra deve seguir um formato padronizado. Primeiro, cenas bélicas bem realistas, seguidas de despudor na hora de mostrar corpos dilacerados. Não poupe o público, mostre sangue - afinal, procura-se fazer justiça com a História. Em segundo lugar, pegue relatos verídicos de uma pessoa confiável para embasar o roteiro. O diário de um médico de campanha serve muito bem. Por fim, e mais importante, personalize o drama humano: ache um sobrevivente desse conflito, que tenha sofrido bastante, e conte todo o episódio sob esse ponto-de-vista. Seguida à risca, essa fórmula é imbatível. Adicionada ao talento de um Roman Polanski, por exemplo, pode-se chegar a uma obra-prima como O Pianista (The Pianist, 2002).
Egípcio de origem armênia (o "yan" no final do nome é uma marca de seu povo ancestral), radicado no Canadá, Atom Egoyan conhece o poder da fórmula. Recorre a ela para abordar, em Ararat (2002), o genocídio cometido pelos turcos contra um milhão de armênios em 1915. Mas o faz de forma original, sem heroísmos óbvios, e com reflexões bem postas.
O centro da ação é uma filmagem dentro do próprio filme. Edward Saroyan (Charles Aznavour) dirige a reconstituição do genocídio sob o ponto-de-vista de Arshile Gorky, um menino armênio separado da mãe. Gorky (1904-1948) se transformaria num ilustre pintor em Nova York. Na tentativa de ser fiel, Saroyan contrata Ani (Arsinée Khanjian), biógrafa de Gorky, para ajudar no roteiro. Acontece que a vida de Ani é igualmente conturbada. Armênia, ela não consegue explicar ao filho Raffi (David Alpay) o simbolismo da morte do pai, um terrorista alvejado quando executava um atentado contra um diplomata turco.
Instalam-se, assim, dois cenários. Num, chapado e previsível, a filmagem da guerra. Noutro, tenso e complexo, que ofusca a cada momento o primeiro cenário, um conflito familiar. Nele, o exaltado Raffi busca entender a motivação do pai "libertário" e, também, a sua própria vida. Essa é a intenção principal de Egoyan: inserir a questão armênia na atualidade. O diretor faz a reconstituição histórica meio por obrigação, mecanicamente.
Isso porque Egoyan DESCONFIA da fórmula. Quando recorre à metalinguagem, não o faz de forma ilustrativa, mas crítica: fica evidente que o filme dentro do filme é romanceado demais, dramático demais. Um exemplo? O título Ararat remete à montanha-símbolo do povo armênio, e Saroyan decide inclui-lo na paisagem de seu filme fictício. Acontece que o monte não é visível do vilarejo Van, onde a ação transcorre, como alerta Ani. Isso pouco importa para Saroyan, que dispensa a fidelidade geográfica em nome da emoção. Egoyan, sim, se importa com o rigor histórico, mas se interessa mais pela memória que os novos armênios perigam perder, já que os turcos negam o genocídio até hoje.
Armênia (2008)
Le Voyage en Arménie



