Aprendendo a Mentir | Crítica
<i>Aprendendo a mentir</i>
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Desde que retornou aos lançamentos de cinema, em outubro de 2004, a distribuidora Paris Filmes/LK-Tel tem acertado com lançamentos para públicos específicos. Mar aberto, Jogos mortais, O filho de Chucky, O Clã das adagas voadoras... Cada um tinha seu apelo muito bem definido. Mas o que dizer de Aprendendo a mentir (Liegen lernen, 2003)?
Na trama, Helmut (Fabian Busch, ator de expressões econômicas) relembra certa noite em Berlim dos amores de sua vida. Quer dizer, lembra das mulheres, porque amor mesmo só um, o primeiro, pela loira angelical Britta (Susanne Bormann), nos tempos do colégio. Desde que a garota se mudou para os Estados Unidos, Helmut tem vivido relações de inércia, evitado compromissos e, como diz o título, aprendido a mentir para cada mulher com quem se envolveu. Mas agora Tina (Birgit Minichmayr), namorada de quem realmente gosta, exige um filho. E Helmut surta. Aos trinta e tantos de idade não sabe o que fazer - nem como tirar Britta da cabeça.
É uma comédia romântica, sem dúvida, mas de produção alemã, o que costuma afugentar os fãs do gênero. Há quem goste do cinema de arte europeu, mas o filme tem todas as características de uma historinha água-com-açucar padrão, do tipo "o primeiro amor a gente nunca esquece". O título pouco ajuda, já que o desafio de Helmut é o contrário: desaprender a mentir para si mesmo. Como catalogá-lo então? O próprio material de divulgação dá uma dica: "Dos realizadores de Adeus, Lênin!".
Metáfora política
O roteirista e diretor Hendrik Handloegten (de Paul is dead, exibido na 24ª Mostra) colaborou com o roteiro do sucesso de 2003 de Wolfgang Becker. A produtora dos dois filmes, a alemã X-Filme Creative Pool, vem se especializando em criar obras de apelo popular capazes de rodar o mundo. E é na esteira de Adeus, Lênin! que a distribuidora brasileira acredita que Aprendendo a mentir pode deslizar.
Tomadas as devidas proporções, pois o filme de Becker é superior, a única coisa que os conecta é o pano de fundo político. Aquele tratava diretamente na memória sentimental da Alemanha comunista, e este emparelha as mudanças na vida de Helmut com os anos 80 na Alemanha Ocidental que culminarão na derrubada do Muro de Berlim em 1989. Não por acaso, o alienado Helmut conhece a engajada Britta durante uma visita à capital em 1982, quando Helmut Kohl (os nomes também não parecem coincidir por acaso) se elege chanceler. Os votos de unificação nacional do SPD, Partido Social-Democrata, são idênticos às promessas de amor eterno que Helmut e Britta dividem na noite de Natal. Mas a garota parte mundo afora - o que não deixa de ter também um sentido político. Depois de um longo intervalo, Helmut volta a encontrá-la justamente nos dias posteriores à queda do Muro.
Aprendendo a mentir oferece, portanto, elementos que legitimam uma interpretação política - e é preciso ter repertório para deduzi-la. A defasagem industrial da porção comunista provocou miséria, escombros e desemprego após a reunificação, como Adeus, Lênin! mostrou bem. E isso tem tudo a ver com a desilusão que Helmut sente ao rever a nova Britta, a de Berlim das raves nos anos 90, sem o mesmo brilho nos olhos de 1982.
Mas como o país, quem sabe Helmut supera o baque. Afinal de contas, Tina quer ter um filho dele. O protagonista apaixonado pode chegar a um ponto de autocrítica similar à democratização da Alemanha de hoje. De novo, não por acaso, um lambe-lambe de referendo público colado num muro, sobre a adoção do euro como moeda da União Européia em 1999, pontua o momento em que Helmut toma a grande decisão de sua vida.



