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A Festa de Margarette | Crítica

<i>A festa de Margarette</i>

20.02.2003, às 00H00.
Atualizada em 04.01.2017, ÀS 05H04

Diante dos atuais dublês digitais e cenários computadorizados, fica difícil imaginar o tempo em que as pessoas se assustavam com a mera projeção da imagem de uma locomotiva na parede. Também é duro encontrar no público médio de hoje em dia, alguém que aprecie o cinema mudo e em preto-e-branco dos primeiros dias da Sétima Arte. Mas obras como A festa de Margarette (2002), do gaúcho Renato Falcão, servem para mostrar que a estética monocromática ainda conserva muita de sua beleza - e que não são necessários diálogos para se contar uma boa história.

A intenção inicial de Falcão, porém, não foi criar uma película em tais condições. Diretor premiado de curtas e documentários, ele tirou a idéia de seu primeiro longa-metragem de um sonho que teve há dez anos: o que aconteceria se um pobretão decidisse dar uma festa para a sua esposa? Depois de desenvolver todo o roteiro, chegou o momento de inserir as falas e, então, Falcão percebeu que não precisaria delas: as imagens que construiu em sua mente falariam por si. Também um diretor de fotografia experiente, o cineasta decidiu que o formato sem cores seria ideal para a história que queria contar.

Curiosamente, no decorrer de A festa de Margarette, essa escolha essencialmente pragmática se transforma em uma homenagem ao cinema em P&B. Fica evidente a influência de Charles Chaplin (1889-1977), de filmes como Tempos modernos (Modern times, de Chaplin, 1936) e, menos explicitamente, O Garoto (The Kid, de Chaplin, 1921). Assim, com cerca de 150 mil reais de orçamento, Falcão acumula funções (roteirista, diretor, diretor de fotografia, montador) e faz um cinema autoral, mas sem qualquer hermetismo, totalmente acessível e inteligível.

Na história, o mecânico Pedro (Hique Gomez) se depara com um problema. Acaba de ser demitido, o dinheiro do seguro-desemprego custa a sair - e faltam poucos dias para o aniversário de sua esposa, Margarette (Ilana Kaplan). Em meio à situação, Pedro embarca numa fantasia. Decide presenteá-la com a tal festa do título, independente de quanto isso possa custar.

Com o apoio do ótimo Gomez, que também assina a adequada trilha sonora, Falcão desenha uma crônica do Brasil contemporâneo, desde a fúria do mercado de trabalho, passando pela deslealdade da polícia e de algumas igrejas evangélicas, até o mundo da moda e do consumismo burguês. Todas as instâncias do caos social passam por uma crítica - muitas vezes óbvia, mas nunca menos que pesada.

Auxilia nessa missão, vale ressaltar, a impecável beleza das imagens. Pra que diálogos? Conforme a produção entra nos seus devaneios oníricos (o ponto mais alto da narrativa), a fotografia em P&B faz valer sua importância - e captura o público pelo espetáculo visual. O final memorável, um plano-sequência em câmera lenta, impacta pelo clima ao mesmo tempo alegre e desolador e não seria o mesmo sem escolhas técnicas tão arriscadas. E compensadoras.

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