Mais do que resgate histórico, Honestino se destaca como manual de instruções
Diante de ameaça autoritária, doc sobre vítima da ditadura está ciente de sua atualidade
Créditos da imagem: Bruno Gagliasso em Honestino (Reprodução)
“Política é guerra sem derramamento de sangue, e guerra é política com derramamento de sangue”. A frase de Mao Tsé-tung, repetida em cena de Honestino, encerra muito do que o filme mostra sobre a resistência estudantil contra a ditadura militar brasileira, entre os anos 1960 e 1970. Mais do que fazer o resgate histórico de um dos mais notórios “desaparecidos” do período, parece que o filme de Aurélio Michiles (O Cineasta da Selva) quer lembrar ao público quando política vira guerra, e como se comportar nela.
Na superfície, essa é a história de Honestino Guimarães (Bruno Gagliasso assume o papel em reencenações), estudante de geologia na UnB (Universidade de Brasília) que se tornou líder do movimento estudantil em meados dos anos 1960, conforme a ditadura militar apertava o cerco da repressão, e logo precisou mergulhar na clandestinidade. Em 1973, foi preso pela quinta vez – e, por fim, não retornou. O governo reconheceu sua morte nos porões da ditadura só 40 anos depois, em 2013.
A ideia de traçar a trajetória de Guimarães, da gênese em uma família de intelectuais aos primeiros confrontos com os militares, passando pela vida em fuga por várias capitais do país e as difíceis articulações com o restante do movimento durante este período, é nobre. Melhor ainda, no entanto, é como Honestino identifica ali a oportunidade de rascunhar um manual de instruções para o que pode estar por vir em um país que, nos últimos anos, brincou perigosamente com um retorno ao autoritarismo.
Daí o cuidado de Michiles e seu corroteirista, André Finotti (3 Obás de Xangô), em fundar as idas e vindas da vida do seu biografado em uma lógica simples de ação e reação. Honestino fala contra a injustiça e a doutrinação, é repreendido à força, mergulha na clandestinidade, adota métodos mais duros para contrapor a dureza dos seus algozes. Em certo ponto, uma das entrevistadas de Michiles diz com todas as letras o que o filme já dizia nas entrelinhas: clandestinizar os estudantes levou à radicalização dos estudantes.
E Honestino não argumenta a favor nem contra a perpetuação desse ciclo, na verdade. Ele apenas o testemunha, e mostra como a vida é sob o jugo dele. É uma articulação poderosa, em termos cinematográficos, que Michiles ainda sustenta com uma costura rítmica habilidosa de depoimentos, imagens de arquivo e encenações. Estas últimas, é claro, servem ao filme como uma ferramenta de pessoalidade, a parte humana do seu manifesto.
Na necessidade dessa aproximação, a performance à flor da pele de Gagliasso é uma virtude. Por vezes, o ator se revela tão surpreso e tocado pelas palavras de Honestino quanto o espectador, posicionando-se ali como um representante nosso diante de uma memória que merece e precisa ser resgatada não apenas por justiça histórica, mas por necessidade política. É um filme-aviso, ou um filme-explicação – para antes que se derrame mais sangue, ou para quando ele for derramado.
*Honestino foi exibido no Festival do Rio 2025e na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Ainda não há previsão de estreia no circuito comercial.
Honestino
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