Garota da Vitrine | Crítica
Garota da vitrine
Você sabe o que aconteceu com o talentoso Steve Martin, que tanto divertia o público em filmes como O Panaca (1979), Um espírito baixou em mim (1984), Roxanne (1987) e LA Story (1991)? Não, ele não acabou de fazer o remake da Pantera Cor de Rosa (2005). Aquilo é apenas uma alucinação coletiva de mau gosto. O Steve Martin do bem é outro. É o que escreveu um romance, roteirizou, atuou e produziu sua adaptação para as telas. O nome do trabalho é Garota da vitrine (Shopgirl, 2005).
É até compreensível que haja um certo receio a este novo projeto, afinal, todos estão mais acostumados a ver o ator como um comediante. Mas vale lembrar que ele já participou de dramas e atuou até mesmo na cultuada montagem de Mike Nichols para Esperando Godot, em sua estréia no teatro nova-iorquino, em 1988. Porém, vale ressaltar que Garota da vitrine não é uma comédia, nem ao menos uma comédia romântica. Talvez seja possível rotulá-lo como um romance dramático. Afinal, trata de um triângulo amoroso que envolve o roadie de uma banda, um milionário cinqüentão e uma vendedora de uma cara loja de departamentos, respectivamente Jeremy (Jason Schwatzman), Ray (Martin) e Mirabelle (Claire Danes).
Os dois homens da vida de Mirabelle não chegam a disputar o seu coração diretamente. Na verdade, talvez nem ela saiba como tratar este órgão que pulsa, mas não pensa. Ray entra em cena apenas depois que Jeremy já está descartado. Ao lado do primeiro, um cara desligado do mundo, ela se diverte, afasta temporariamente a sua solidão, mas não consegue ver um futuro muito promissor. Quando conhece o segundo, começam os sonhos de qualquer mulher: um homem rico, bonito, bem sucedido, romântico e carinhoso. Pena que tudo o que ele queira em troca é passar as noites com a menina quando estiver em Los Angeles. E lá está ela novamente, sozinha com o seu travesseiro.
A vida não é mesmo fácil. E este é o ponto interessante do filme. Ele mostra os desencontros entre os sentimentos dos três personagens, nos lembra que o amor independe apenas do querer de uma pessoa ou das condições financeiras dos envolvidos. É um filme que acusa os homens que um dia já foram canalhas e, de uma forma generalizada, se vinga deles, numa vã tentativa de pedir desculpas às mulheres que foram suas vítimas. Aponta também o quanto uma pessoa apaixonada pode mudar para conquistar seu alvo.
Os dramas podem não se aprofundar muito nas questões sérias, arranhando temas como depressão e solidão na cidade grande, mas consegue trazer à superfície sentimentos que eventualmente surgirão nas vidas das pessoas. O trio de atores é muito bem dirigido pelo tailandês Anand Tucker e consegue transmitir tudo isso de uma forma caricata no limite e muitas vezes bastante realista, principalmente no caso da linda Claire Danes, que tem aqui o seu melhor papel em muitos anos. Tucker consegue ainda baixar a velocidade, o tom o humor de Martin para torná-lo quase um amálgama do excelente Bill Murray de Encontros e desencontros (2003) e Flores Partidas (2005).
É nesta elegância no tratar do amor, na fuga da solidão, nos contrastes entre pretendentes tão díspares e igualmente cativantes que Garota da vitrine surpreende. Mas não se engane imaginando uma sensacional guinada na carreira de Steve Martin, tornando-o um ator/autor sério. Ele já está alardeando aos sete ventos que não vê a hora de voltar ao papel de Inspetor Clouseau. E como fazer rir é uma tarefa difícil e que Martin não tem conseguido com a mesma classe de antes, por que não aproveitar o dinheiro conseguido com o cinema comercial e reinvesti-lo em novos belos projetos sobre pessoas, amores não correspondidos e a dura arte de viver? Como aprendemos com Ray, seu personagem aqui, o dinheiro pode comprar muita coisa, mas não consegue preencher todos os vazios dos corações.