Dá pra dizer que existem três filmes dentro de F1: O Filme. O primeiro é a história tradicional do herói (Brad Pitt) que retorna após ser desacreditado por todos; o segundo é a versão ficcional de um reality show dentro (de um carro) da Fórmula 1; e o terceiro é uma aventura do cinema tradicional americano, que une os dois primeiros longas nas mesmas receitas da ação de Top Gun: Maverick, agora com uma intensidade mais palpável, já que os carros e desafios da modalidade criam um senso de perigo e impacto ainda maior.
Este último é, de longe, o melhor dos três, e por isso F1 é um triunfo do novo cinema de ação que Joseph Kosinski começou a desenhar em Maverick. Além do sublime trabalho de som, que torna a experiência no cinema algo simplesmente irreplicável em qualquer outra mídia, o diretor fez uma mistura de elementos práticos com computação gráfica que torna impossível distinguir onde um começa e o outro termina. A verdade é que essa distinção não importa tanto, já que quantificar isso é elemento crucial do segundo filme, que lida com o reality show. O lance aqui é como, ao reunir isso tudo em um pacote que evolui a ideia da “visão em primeira pessoa”, faz com que assistir Maverick e agora F1 seja tão impressionante quanto jogar mergulhar em um game - mídia essa que se propõe, antes de tudo, imersão.
Por mais que o cockpit de Sonny Hayes, protagonista vivido por Brad Pitt, seja algo inalcançável para meros mortais, a ideia de pilotar um carro e todas os desafios que vêm junto com esse simples fato ajudam F1 a se tornar algo mais impressionante do que seu antecessor espiritual. Kosinski usou cerca de 12 câmeras em cada carro, colocou atores nas pistas da modalidade, filmou durante GPS reais e até incluiu iPhones nos veículos para que a ideia de “realidade” fosse ainda mais fiel - e o resultado é algo tão impressionante quanto pode-se imaginar, pois nada chega próximo de F1 quando se trata de velocidade, nem Maverick. Especialmente a primeira meia hora (embalada por uma trilha sensacional de Hans Zimmer), que mostra Daytona, testes com pistas vazias e as primeiras corridas oficiais, são tão imersivas e cativantes que a história de Hayes fica em terceiro plano. A primeira pergunta é “porque essa corrida acabou?”. E a segunda é “quando é a próxima?”.
O roteiro e a ideia do filme também vieram de Kosinski. A trajetória de redenção de Hayes, um ex-prodígio que sofre um acidente e fica 20 anos afastado, se costura com o novato J. Pearce vivido por Damson Idris. Os dois, ao lado de um carismático Javier Bardem, têm tempo de tela bem dividido e talvez por isso o desenvolvimento soe superficial, seja pelas motivações, seja pelos coadjuvantes que têm objetivos simples mas verbalizados de forma rasa como “meu trabalho é o vento”, “é punk rock para nossa marca”. A questão é que não há intenção alguma em F1 que não seja replicar o clássico blockbuster do cinema americano. Aqui, este cinema está incorporado por um Sonny/Pitt que se nega à trabalhar em equipe, reconhece os pares e ganha todos pelo carisma, pelo talento e, claro, pelo charme do herói que finge se alinhar ao sistema para conseguir tudo do jeito dele.
A estratégia de Kosinski não difere muito disso. A obsessão com que trata a estética, o som e o movimento em tela é digno de grandes nomes do cinema de ação moderno como Christopher McQuarrie e Christopher Nolan. Esse é seu charme. E é também evidente que o cineasta não se exime de enaltecer a nostalgia conservadora do cinema americano que moldou as gerações de 1980 e 1990, ao mesmo tempo que admite dar o espaço de coadjuvante para novatos, minorias ou qualquer coisa que não seja sobre o herói da história.
E talvez essa transparência, também vista de forma cristalina em Maverick, aliada à excelência técnica, seja o DNA da parceria de Kosinski com Jerry Bruckheimer, com quem produziu os dois filmes. No fim das contas, é o uso da nostalgia de forma consciente e contextualizada no comportamento atual, usando marcas e tendências que ressoam com a audiência atual, que fazem essa parceria funcionar tão bem. Não é o acaso que tornou a Fórmula 1 um dos esportes mais populares dos EUA nos últimos anos. Ou você acha que o filme, a série Drive to Survive e os três grandes prêmios nos EUA aconteceram sem nenhuma intenção?
F1 - O Filme é um produto de todo esse contexto e o materializa em uma jornada impecável de ação dentro de uma história previsível, mas com um desfecho satisfatório a ponto de eclipsar boa parte dos clichês mal executados. É daqueles filmes que elevam a experiência do cinema pelo impacto sonoro, pela imersão nas imagens e pelo apelo coletivo que carrega na jornada de superação.
Diante de todo esse cenário, F1 se constrói em uma complexa amálgama tecnológica e cultural para buscar o que o cinema americano de massa parece ter perdido, mas segue na busca para recuperar a simplicidade das jornadas heróicas contadas em escalas magnânimas. Em outras palavras, poucas e diretas, como Sonny as prefere: F1 é um filme que vale cada centavo do ingresso.
Esta crítica foi publicada originalmente em 17 de junho.
F1 - O Filme
F1: The Movie
Ano: 2025
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 156 min
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Joseph Kosinski, Ehren Kruger
Elenco: Javier Bardem , Brad Pitt , Kerry Condon , Damson Idris
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