A cena que abre Enigmas no Rolê é também uma de suas melhores: nela, o jovem André (Guilherme Godoy) luta para se concentrar em um problema de lógica em um livro didático enquanto seu fluxo de consciência é interrompido por preocupações mais terrenas - especificamente, uma dívida que precisa pagar, o desapontamento e as acusações da família que não querem vê-lo deixar a cidadezinha onde moram para ir à faculdade, e por aí vai. Frustrado, ele pede para tomar um ar e é seguido pouco depois pela professora, que conversa com ele sobre as dificuldades que está tendo em casa e na escola, tentando mudar a perspectiva do rapaz. A sequência toda demonstra um controle de encenação, e um acerto tonal, que vai se carregar por todo o longa de Ulísver Silva.

As performances são íntegras (de fato, o protagonista Godoy não acerta uma nota falsa durante toda a metragem de Enigmas no Rolê), e Silva sabe como filmá-las de maneira autêntica. A chave, é claro, está em não se aproximar dessa história adolescente com condescendência. Como tantos bons filmes juvenis que vieram antes dele, Enigmas leva a sério as preocupações e as pressões que fazem parte da vivência desses jovens, e por isso mesmo as registra com tato e contundência dramática. Nada é um novelão, é claro - há uma gentileza no drama filmado por Silva que passa longe dos folhetins de horário nobre, uma dedicação à leveza de um entretenimento mais vespertino (a inspiração na Sessão da Tarde é declarada) -, mas nem por isso Enigmas se entrega a um amadorismo cínico sobre a validade de seus temas.

E que bom que é assim, porque de outra forma o desenvolvimento da trama esbarraria em um didatismo aborrecido. Veja bem: uma vez que nos apresenta a André, Enigmas no Rolê pula dois anos no tempo, quando o jovem já está estabelecido em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, para seus estudos. É nesse contexto que ele recebe em casa os sobrinhos Eduarda (Maria Rita Franco) e Edinho (Raul Henzo), querendo ir ao show de um rapper do qual são fãs - mas o rapaz também quer aproveitar a oportunidade para estimular o intelecto dos dois, logo elabora uma série de problemas lógicos que eles precisam superar para “ganhar” os ingressos. O conflito que se desenha aí, a partir dos objetivos e perspectivas discrepantes das duas gerações que viveram e vivem realidades diferentes, é cristalino e minado com esperteza no clímax do filme.

Acontece que, até chegar no terceiro ato, Enigmas no Rolê precisa nos manter engajados em uma série de exercícios lógicos que tocam nesse conflito, mas não necessariamente o empurram para frente. Aí entram em cena uma série de recursos gráficos inventivos - algumas sequências são inteiramente animadas, nunca com o mesmo estilo da predecessora, ilustram os problemas propostos por André para os sobrinhos; quando a demanda é por dinamismo no live-action, a direção de arte (assinada por Leo Sales) trata de criar cenários vibrantes, enquanto a montagem (de Kauan Nascimento Santos Oliveira) mantém um ritmo sólido, que não fazem pesar a 1h40 de metragem. Enigmas no Rolê está sempre criando, enfim, e é fácil se afeiçoar a ele por isso.

No fim das contas, é essa criatividade que faz do longa de Silva um filme educativo mais carismático do que a média. O seu olhar para o que pensam e como agem os jovens diante da sua câmera é a um tempo mais preciso e mais generoso, e a sua dedicação a entregar uma história que engaje o público se sente nos recursos que ele reúne para contar a sua história da forma mais muscular possível. Às vezes, não é preciso muito mais do que isso: uma vontade clara, e bem embasada, de fazer o que se faz muito bem.

*Enigmas no Rolê foi exibido no Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito - Bonito CineSUR 2025, onde foi premiado pelo Júri na Mostra Competitiva de Cinema Sul-Matrogrossense. Fique de olho no Omelete para a cobertura completa.

Enigmas no Rolê

2025

100 min

País: Brasil

Direção: Ulísver Silva

Roteiro: Ulísver Silva

Elenco: Yuri Azevedo, Felipe Lourenço, Raul Henzo, Maria Rita Franco, Guilherme Godoy

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