As mentirinhas da personagem titular de Eleanor the Great, primeiro filme de Scarlett Johansson como diretora, normalmente são inofensivas e divertidas. Interpretada pela incomparável June Squibb, que aos 95 anos protagoniza um filme apenas pela segunda vez (a primeira foi aos 94, ano passado, com Thelma), a senhorinha de muita lábia e pouco filtro tipicamente usa as distorções da verdade com boas intenções. Por exemplo, quando sugere para a enfermeira do hospital que sua amiga, internada e esperando pacientemente por um médico que nunca chega, fundou o departamento de neurologia de lá, ela garante um atendimento melhor e mais ágil para alguém que precisa dele urgentemente.
Essa é uma das várias presepadas de Eleanor em sua vida à frente do mar na Flórida, e elas sempre ao acontecem ao lado de Bessie (Rita Zohar), uma sobrevivente do Holocausto que, ao longo dos últimos 70 anos, se tornou uma amiga de quem nossa protagonista só pode ser separada pela morte. Infelizmente, é isso que acontece naquele hospital. Incapaz de morar só, Eleanor volta para Nova York para viver com sua filha Lisa (Jessica Hecht), que quer colocá-la num lar de idosos, e o neto Max (Will Price), que acabou de começar a faculdade. Mas é outra universitária que impacta Eleanor: a estudante de jornalismo Nina (Erin Kellyman).
Mesmo antes de saber que a garota é filha do âncora de TV e viúvo recente Roger Davis (Chiwetel Ejiofor), por quem ela e Bessie tinham um crush enorme (como alguém que viu minha avó responder o “boa noite” de William Bonner religiosamente, achei esse detalhe perfeito), Eleanor se vê mais e mais aberta a passar tempo com Nina, que a escolhe como assunto de um artigo para a faculdade. A dinâmica das entrevistas oferece a uma vovó que não tem muitas pessoas com quem conversar a oportunidade de se abrir e enfim compartilhar os sentimentos de perder sua melhor amiga, assim como o arrependimento de nunca ter tido um bat mitzvah (e o sonho de ainda fazê-lo), e os pesadelos que ainda têm do seu tempo em campos de concentração. A questão é que essa última parte, claro, é mentira.
Eleanor the Great aborda essa questão, de alguém assumindo a narrativa de uma sobrevivente do Holocausto, com leveza até demais. É claro que as caras e bocas feitas por June Squibb quando Eleanor se vê entrando em situações cada vez mais inacreditáveis por conta de sua narrativa são de enorme valor cômico, e é claro que o filme de Johansson mantém uma consciência sobre isso que não a deixa se safar com tudo, mas ainda estamos tratando de um assunto delicado. Se não fosse um filme fofo e caloroso, Eleanor the Great estaria em perigo de cometer erros gravíssimos, e Johansson merece crédito por não perder o equilíbrio enquanto caminha nesta corda bamba, mas toda a graça do mundo não significa que ele não flerte com esses tropeços.
Se falta cuidado no drama, isso transborda na comédia intergeracional de duas amigas improváveis. Squibb, com todo o seu carisma e usando a idade avançada a seu favor para conferir a tudo o peso de uma vida longa e significativa, encontra uma parceira de cena valiosa em Kellyman, uma atriz que nunca recebeu um papel com tantas facetas. Juntas, a dupla dá a Eleanor the Great um coração palpável. O texto de Tory Kamen funciona não só no humor que encontra nas personagens – um que, crucialmente, espelha bastante a amizade com Bessie – e em suas conversas, mas também na construção de um laço entre as duas. Nas cenas de risadas, Scarlett Johansson encontra o caminho para dar ao longa um ar agridoce de luto e perda forte o suficiente para não deixar um olho seco na sala de cinema.
Eleanor the Great só funcionaria se as duas amizades de Eleanor – a que ela perdeu e a que ganhou – forem convincentes emocionalmente, e apesar de não mostrar (ainda) uma grande voz como diretora, Johansson corretamente identifica as atuações como a forma de cumprir esses objetivos. De mão leve e aerada, a cineasta reconhece a química de Squibb com suas coadjuvantes e deixa o filme à serviço delas. Junto com Thelma, Eleanor the Great se revela como um terrível julgamento sobre Hollywood nos últimos 35 anos. Como June Squibb só recebeu mais papéis principais agora?
Eleanor the Great
Eleanor the Great
Ano: 2025
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 98 min
Direção: Scarlett Johansson
Elenco: Erin Kellyman , June Squibb , Chiwetel Ejiofor
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