Crítica | Doutor Gama acerta a narrativa sem espetacularizar sofrimento negro

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Crítica | Doutor Gama acerta a narrativa sem espetacularizar sofrimento negro

Filme consegue mergulhar na história de Gama com drama suave

05.08.2021, às 16H57.

Luiz Gama nasceu um homem livre no Estado da Bahia, no século 19. Filho de uma mulher africana preta e um português branco, ele foi vendido com apenas 10 anos para quitar uma dívida de jogo do pai. Escravizado, Gama aprendeu a ler e conquistou a própria liberdade através da lei. Tornou-se depois um ativista do abolicionismo, que libertou mais de 500 pessoas escravizadas - a começar por si mesmo.

Entre os principais argumentos utilizados por Gama para salvar homens, mulheres e crianças pretas estava a lei que extinguia o tráfico negreiro para o Brasil, mas que era ignorada pelos criminosos. Apesar de não ser um advogado formado por uma universidade, ele possuía um vasto conhecimento sobre as leis da época e conseguiu autorização do Poder Judiciário do Império para advogar, sendo o primeiro negro na história do Brasil a estar na posição de defensor nos tribunais.

A história de Gama vira filme pela primeira vez com roteiro de Luiz Antônio e direção de Jeferson De. A narrativa de Doutor Gama é dividida em três partes e tem início com uma breve demonstração da relação que o protagonista tinha com mãe e pai. Em poucos minutos vemos a criança (Pedro Guilherme) sendo vendida. Naquele momento Gama perde três coisas que, apesar de abstratas, têm um significado extremamente concreto: a liberdade, a confiança no homem branco (representado pelo pai) e o direito de ter um calçado. As cenas seguintes mostram o menino começando a entender as regras sórdidas da escravidão e se conectando com novas figuras paternas e maternas - que ele perde em seguida. Uma passagem que nos conta, sem gastar tempo, que era impossível para um escravizado conquistar um porto seguro.

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O ciclo da infância se fecha e a cena seguinte nos mostra um Gama jovem (Angelo Fernandes) sem perspectivas, até ter contato com a literatura. A última cena dessa segunda parte faz uma conexão direta com o final da primeira, pois é nela que Gama reassume o seu lugar de homem livre e reconquista seu direito de usar um calçado. O diretor fez questão de incluir essa simbologia no filme porque ela segue viva até hoje. Como diria Emicida, “dinheiro é a desgraça do povo, mas cê já viu o sorriso no rosto de quem ganhou um boot novo?”. Um tênis representa muito para um jovem de periferia e essa cena dialoga muito bem com esse público.

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Na fase adulta e livre, Gama (César Mello) já aparece como um advogado maduro, envolvido com um caso tido como impossível de vencer. O julgamento de fato não existiu, mas foi escrito no filme com base em outros casos em que Gama trabalhou, o que deixa o relato mais dramatizado.

O principal destaque na narrativa é a escolha de não espetacularizar o sofrimento negro para contar a história de Gama; é uma decisão provavelmente tomada porque as pessoas por trás das câmeras também são negras. Numa época em que produções hollywoodianas sobre o flagelo do escravagismo e sua herança cultural nos EUA flertam com a exploração, o filme brasileiro aborda assuntos extremamente delicados como escravidão, racismo, estupro e marginalização de pessoas pretas sem reproduzir essas violências para falar sobre elas. A trajetória de virada de Gama tem prioridade sobre o choque, um enfoque à altura da importância da sua luta abolicionista.

Nota do Crítico
Ótimo
Doutor Gama
Doutor Gama

Ano: 2021

País: Brasil

Duração: 90 min

Direção: Jeferson De

Roteiro: Luiz Antonio

Elenco: Sidney Santiago, Zezé Motta, César Mello, Erom Cordeiro, Angelo Fernandes

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