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Crítica

Crítica: Vincere

Marco Bellocchio volta a um evento histórico da Itália para falar do discurso político de modo geral

Marcelo Hessel
22.07.2010, às 16H08
ATUALIZADA EM 21.09.2014, ÀS 13H53
ATUALIZADA EM 21.09.2014, ÀS 13H53

Assim como em Bom Dia, Noite, o filme anterior do cineasta Marco Bellocchio a estrear em circuito comercial no Brasil, Vincere ("vencer" em italiano) aborda a relação frenquentemente conflituosa que Igreja e Estado mantêm na Itália. Desta vez, voltamos à primeira metade do século 20 para acompanhar a história real de Ida Dalser, que morreu sozinha tentando convencer a todos que era esposa de Benito Mussolini.

O filme começa com o futuro líder fascista (vivido por Filippo Timi) falando para um grupo de católicos de Trento, em nome do grupo socialista do qual rapidamente se tornaria porta-voz, que Deus não existe. A ousadia de Mussolini encanta Ida (Giovanna Mezzogiorno), e os dois logo se tornam amantes às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Diz a história oficial que o primeiro e único filho do casal, Benito Albino Mussolini, nasceu em 1915 - e o pai o reconheceu legalmente, ainda que naquele mesmo ano tenho se casado com outra mulher, Rachele (Michela Cescon).

Sem saber de Rachele, Ida já havia vendido suas posses para bancar o panfleto do então jornalista militante - e no momento em que chega ao poder, nos anos 20, já autoproclamado Il Duce (O Líder), Mussolini deixa Ida. A briga dela por ser reconhecida a primeira esposa do ditador acaba dentro de um hospício. Por anos Ida viveu enclausurada como uma doente mental em instituições administradas, ironicamente, pela Igreja.

A crítica de Bellocchio à promiscuidade entre os católicos e os políticos - uma relação antes de mais nada geográfica, uma vez que o Vaticano fica no coração da capital política da Itália - toma toda a segunda metade do filme e alcança seu ápice, justamente, quando o Duce faz as pazes com a Igreja em público e no papel. Mas não é isso que faz de Vincere uma obra-prima, e sim a análise de como se constrói uma imagem política e como o discurso de Mussolini se opõe à palavra de Ida Dalser.

Sedução do poder, ímpeto para a guerra e outras virilidades à parte (é ótima a cena em que Mussolini busca a sacada do apartamento depois de transar com Ida, como se quisesse contar a todos a sua performance), Bellocchio coloca Benito e Ida num mesmo degrau - a palavra dos dois tem o mesmo valor. Dá pra enxergar Vincere como um longa dividido em dois, primeiro o teste da honra de Mussolini e depois, na segunda metade, o teste da honra de Ida.

Como sabemos que o ditador renega o que havia dito na primeira cena do filme (que Deus não existe, na opinião dele), então a palavra de Mussolini não vale nada. Não por acaso, Bellocchio substitui a figura do ator Filippo Timi pela do Duce real na segunda metade - afinal, a persona tomou o lugar do homem. E Ida? Ela só precisava mentir para se ver livre do martírio no sanatório, mas não abre mão da sua palavra, não dissimula. Não cria uma persona, enfim.

É uma aula de como substitui-se, para fins programáticos, a imagem do homem pela do timoneiro da nação - o que implica até comparar Mussolini a Jesus Cristo em certa passagem. O filme de Bellocchio tem toda uma sofisticada discussão sobre o que é ser político e sobre a construção de uma imagem política (mesmo via cinema, via metalinguagem, como acompanhamos em diversos momentos na primeira metade), mas também é bastante acessível a todos os tipos de público. Sua força aberta a todo espectador, visualmente, está na mimetização do panfleto de guerra. O título do filme é só uma das muitas palavras-de-ordem que saltam a tela, montadas com fusão às imagens encenadas e a outras imagens de arquivo, e dão ao filme uma cara de vídeo de marcha popular. É um recurso que pode parecer datado, mas tem efeito potente.

Por fim, qualquer semelhança com regentes correntes da Itália, chegados a histrionices e a contar vantagens na cama, não é só coincidência. Vincere fala sobre Mussolini, fala sobre Berlusconi, e serve para a política de modo geral.

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Nota do Crítico
Excelente!
Vincere
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Ano: 2009

País: Itália, França

Classificação: 16 anos

Duração: 128 min

Direção: Marco Bellocchio

Roteiro: Marco Bellocchio

Elenco: Giovanna Mezzogiorno, Filippo Timi, Corrado Invernizzi, Fausto Russo Alesi, Michela Cescon

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