Filmes

Crítica

Crítica: O Caçador

Um exemplar do moderno cinema policial oriental enfim chega para nos desafiar

08.10.2009, às 12H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H53

Às vezes a reação do público diz muito sobre um filme. Numa sessão de O Caçador (Chugyeogja, 2008) no Festival do Rio, onde foi exibido com o título em inglês, The Chaser, a violência extremada, mas cartunesca, tirava gargalhadas de muitos. Quando uma personagem de bom coração é dilacerada em cena logo depois de ter sido apresentada, uma senhora lá no fundo da sala não aguentou, indignada: "Não é pra rir, não!".

A questão é entender que riso é esse. Afinal, o marcante longa de estreia do diretor Na Hong-jin é uma sátira dos filmes policiais ou é um thriller tradicional que usa o humor negro para testar nossa sensibilidade? Ou será que aquilo é engraçado só aos nossos olhos ocidentais? A reação inicial é mesmo de estranhamento. Dificilmente a produção pop oriental chega aos cinemas brasileiros, e o que recebemos, nessa linha que joga com a graça da violência, fica entre extremos - as caricaturas de Stephen Chow e Bong Joon-ho ou as sombras de Park Chan-wook.

the chaser

None

the chaser

None

o caçador

None

o caçador

None

Em O Caçador o quebra-pau é quase imediato. O filme começa com o sumiço de uma garota de programa, e não é a primeira. Seu cafetão, Joong-ho (Kim Yun-seok), ex-policial, acha que algum cliente as está revendendo. Quando ele começa a investigar, descobre que o estranho Young-min (Ha Jung-woo) deixou uma das prostitutas, Mi-jin (Seo Yeong-hie), mãe de uma menina pequena, à beira da morte na casa dele.

Não convém contar aqui como o cafetão descobre a identidade do criminoso, cena de suspense brilhante. O caso é que, depois de uma breve perseguição e muitas escoriações, Joong-ho e o maníaco vão parar na delegacia e o caso parece se resolver ali - Young-min até confessa que assassinou uma dúzia de pessoas. Mas o drama está só no início: a vida de Mi-jin ainda corre risco e o maníaco não quer contar onde mora. Seria a evidência que o incriminaria definitivamente, já que em Seul a confissão de culpa não é prova suficiente para uma condenação.

Já bem depois da metade do filme, o diretor equipara o sofrimento da prostituta cativa com o sofrimento do cafetão - são dois close-ups divididos por um corte seco que parecem nos dizer que Joong-ho, e não só a jovem mãe enclausurada, está passando pela provação da sua vida e pagando por seus pecados. Sim, ele é o culpado primeiro por aquilo tudo, porque explora as putas, mas é o herói que nós temos no momento (e o roteiro impõe essa heroificação logo de cara, quando ele estapeia um cliente que tinha batido numa prostituta)...

A violência, e a ação de modo geral, então entram, numa leitura possível, como o sinal mais carnal - ao mesmo tempo evidente e profundo - da pena que o diretor está fazendo o cafetão pagar. Joong-ho corre de um lado para outro sem rumo, sai na mão com todo mundo, encontra poucas redenções e muitas decepções, e só não apanha mais do que o próprio maníaco. Que as imagens de cruzes de igrejas sejam persistentes no filme não parece ser por acaso.

Outra leitura possível seria uma crítica ao sistema judicial sul-coreano. Hong-jin insiste em usar a paisagem de Seul como plano de transição, como se a cidade fosse, também, uma das responsáveis pela violência - e o plano final deixa isso bem claro. Associar crimes a um determinismo geográfico, como se o mal fosse uma prerrogativa urbana, não é raro nos filmes do gênero. A novidade de O Caçador talvez seja sugerir, para uma lei que não se contenta com confissões de culpa, que "buscar provas" significa buscar mais violência.

Independente da leitura, O Caçador se mostra bastante moralista, mas que filme policial não é?

Não é difícil, ademais, associar a produção sul-coreana aos filmes de serial killer hollywoodianos - corrida contra o relógio, rabiscos nas paredes que fornecem pistas, redenção presente na inocência infantil etc. A originalidade de O Caçador está no uso consciente da violência para catalisar uma visão de mundo, e não só por mera convenção ou mero sadismo.

Leia mais críticas do Festival do Rio 2009

Nota do Crítico
Ótimo
O Caçador
Chugyeogja
O Caçador
Chugyeogja

Ano: 2008

País: Coréia do Sul

Classificação: 16 anos

Duração: 125 min

Direção: Daniel Nettheim

Elenco: Willem Dafoe, Frances O'Connor, Sam Neill, Morgana Davies, Finn Woodlock, Jacek Koman, Callan Mulvey, Daniel Wyllie, Sullivan Stapleton, Jamie Timony, Maia Thomas

Onde assistir:
Oferecido por

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Omelete no Youtube

Confira os destaques desta última semana

Ao continuar navegando, declaro que estou ciente e concordo com a nossa Política de Privacidade bem como manifesto o consentimento quanto ao fornecimento e tratamento dos dados e cookies para as finalidades ali constantes.