"Ninguém precisa saber tudo sobre mim", diz o vocalista do Nirvana, logo no começo de Kurt Cobain - Retrato de uma ausência (Kurt Cobain: About a Son, 2006). Sua voz não é das mais calmas do mundo, e dá para notar que ele está falando sério.
Mesmo assim, 15 anos depois da sua morte, Cobain é o grande guia para que se entenda um pouco mais sobre sua vida, neste ótimo documentário de AJ Shanck, que chega por aqui com quase três anos de atraso.
Kurt Cobain - Retrato de uma Ausência
Kurt Cobain - Retrato de uma Ausência
Kurt Cobain - Retrato de uma Ausência
Em toda sua curta carreira no posto de "estrela salvadora do rock", Cobain nunca gostou de chamar muita atenção - é o que se conta. Não queria explicar o que falava ou esfregar sua vida na cara do mundo. Mais que reservado, o músico era mesmo do tipo problemático, antisocial, sociopata.
Então, está aqui um raro momento de cabeça aberta, quando ele resolve que quer desabafar sobre sua biografia. Um esforço gigante, para quem acha que sua vida não é da conta de ninguém. O mérito é todo de Michel Azerrad, jornalista que gravou 25 horas de entrevistas com Kurt, um ano antes da sua morte.
Esse material já tinha alimentado a biografia Come as You Are: A História do Nirvana, publicada por Azerrad em 1993. Agora, em Retrato de Uma Ausência, Azerrad e Schanck juntam forças para - literalmente - dar voz a um cara que foi veículo de uma geração perdida.
A voz de Cobain é realmente só o que nos resta aqui, da forma mais isolada possível. Não há registros biográficos de shows do Nirvana, fotos de arquivo ou imagens nunca vistas. O rosto do personagem principal só vai aparecer nos últimos segundos do filme. O tempo inteiro, tudo o que o espectador ganha são as declarações do músico nas fitas de Azerrad, cuidadosamente editadas e costuradas para fazer algum sentido cronológico.
O conteúdo biográfico é completamente parcial e guiado pelas gravações. Kurt vai da sua infância, quando fingia ser um alienígena, passa pelas mudanças de cidades e bandas até começar a refletir sobre a indústria em que se enfiou. O filme não tenta descobrir histórias escondidas ou contradizer o discurso. O caso, mesmo, não é assumir ou não se as histórias contadas são fiéis à realidade. O momento é de tentar entender como funcionava sua cabeça - uma chance que poucas estrelas do rock, entre as realmente importantes, ganharam em vida.
Mas como resolver visualmente um filme assim? Ainda mais com um personagem guardado pelo fantasma da viúva Courtney Love, que não libera o uso das imagens do falecido nem das músicas da banda. Schanck sabe bem que o brilho de Retrato de uma Ausência são as fitas das entrevistas. Não faria sentido atrapalhar o conteúdo com mais informações na tela, naquele velho clichê de documentários hiperativos sobre rock.
Assim, o diretor acaba optando por uma montagem poética e afetiva. Intercala os trechos das entrevistas com músicas que influenciaram a cabeça do seu personagem - de Queen a Iggy Pop. E preenche a tela com um gigantesco, lento e minimalista videoclipe que reflete, de alguma forma, o que está sendo dito. É um documentário que funciona como um grande quebra-cabeças visual.
Enquanto isso, Retrato prova sua força como um dos melhores documentários sobre o músico. Cobain é pré-Internet, logo sua voz ainda carrega uma certa aura mítica. E, para quem achava que não tinha o que dizer, é uma imensa sessão de terapia. Do lado de lá e de cá da tela.
Ano: 2006
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 96 min
Direção: AJ Schnack
Elenco: Kurt Cobain