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Crítica

Crítica: Desejo e Perigo

Ang Lee troca os caubóis por espiões chineses para falar de amores impossíveis mais uma vez

13.05.2007, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H30

Os estudiosos do comportamento humano dizem que, em tempos de opressão e falta de perspectiva, o sexo é uma das únicas maneiras que uma pessoa encontra para escapar da apatia e do amortecimento. E poucos filmes retratam isso de modo tão claro quanto Desejo e Perigo (Lust, Caution). As cenas de sexo desesperado protagonizadas por Tony Leung Chiu Wai (Mr. Yee) e Wei Tang (Wang) chocaram os críticos estadunidenses — que as consideraram "explícitas" — e foram classificadas de "gratuitas" por um trio de amigas de trinta e poucos anos à saída da primeira sessão do filme em São Paulo. O que parece ter escapado — tanto aos críticos quanto às espectadoras — é realmente sutil. Cada tomada que retrata os personagens na cama é absolutamente reveladora dos laços que eles vão estabelecendo a cada mordida, lambida ou nova posição. São justamente as cenas de sexo, em toda a sua crueza, que ajudam a entender a reação de Yee à canção tradicional chinesa entoada por Wang no restaurante japonês, já quase no final do filme.

Numa entrevista concedida ao International Herald Tribune, o diretor Ang Lee afirmou que as cenas de sexo em Lust, Caution equivaliam às de luta em O Tigre e o Dragão. "Elas são vida e morte. É nelas que os personagens realmente mostram seu caráter". Em sua nova película, Lee muda de época e lugar para voltar a falar sobre amores impossíveis — tema central de seu último filme, Brokeback Mountain. Para isso, adaptou a novela Se, jie de Eileen Chang, autora chinesa que é um verdadeiro hit na comunidade sino-americana, e que ele havia lido na adolescência.

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Chang levou mais de 30 anos para terminar a novela (supostamente autobiográfica) que dá origem ao filme, publicada em 1979. Nascida numa aristocrática família chinesa, a autora foi casada com um colaborador do governo de ocupação japonesa na China, de quem se divorciou após apenas três anos, cansada de suas infidelidades. Assim como Wang, Eileen teve de interroper seus estudos na Universidade de Hong Kong e voltar a Xangai quando os japoneses ocuparam o país. E é justamente na China ocupada pelos militares japoneses durante a II Guerra Mundial que a história transcorre.

Estudantes da Universidade de Hong Kong formam um grupo de teatro para arrecadar fundos para a Resistência. Quando a jovem e inocente Wang arranca lágrimas e aplausos da platéia na primeira noite, eles são convidados pelas lideranças do movimento a entrar em ação. Ela será utilizada como isca para atrair Mr. Yee, um chinês que colabora com o governo de ocupação e a quem eles devem matar. Acontece que o alvo é bem mais esperto que os inocentíssimos universitários e não se deixa seduzir por Wang num primeiro momento. Ela fica amiga da esposa de Yee (vivida por Joan Chen) e, pouco a pouco, se aproxima da rotina do casal. Mas eles decidem voltar a Xangai e a missão é cancelada.

Quando, depois de várias tentativas, Yee continua a escapar das emboscadas que a Resistência lhe prepara, os líderes decidem recorrer a Wang uma vez mais. Ela é enviada a Xangai, onde é hospedada pelo casal. Passamos então a acompanhar o relacionamento de Yee e Wang, que se encontram escondido em quartos de hotel e restaurantes, e também o seu convívio com a esposa e outras mulheres de colaboracionistas. Para retratar a realidade do período, Lee nos guia pelos ambientes protegidos dos que optaram por aceitar a ocupação e também pelo turbilhão das ruas, onde tudo falta.

Mais uma vez, o diretor opta pelas sutilezas para contar sua história. As rodadas do tradicional jogo de majong sinalizam a disputa velada entre as mulheres dos colaboracionistas e seus comentários fúteis funcionam como indícios dos efeitos da ocupação japonesa sobre a vida dos cidadãos. Os olhares perdidos de Wang e do estudante que a levou ao grupo de teatro falam das muitas impossibilidades que enfrentam — em especial das de livrarem o país do invasor e de se amarem. As cenas enfumaçadas prestam a devida homenagem ao cinema noir das décadas de 50 e 60 e é fascinante ver a transposição da trama de um agente duplo dividido entre sua missão e o inevitável envolvimento com o alvo para o Oriente. A cena em que Wang atravessa a rua de braços dados como Mr. Yee e enxerga de esguelha cada um dos agentes à espreita nos remete aos melhores clássicos de espionagem produzidos por Hollywood e escancara o talento do diretor de fotografia Rodrigo Prieto.

Quem tem problemas com filmes mais longos, que se desenrolam lentamente, pode se aborrecer um pouco. Mas as duas horas e meia de duração passarão rápido para os fãs do gênero e também para os admiradores da obra de um outro diretor de origem chinesa (Wong Kar Wai), cujos filmes são protagonizados por Tony Leung. O ator vive aqui um personagem ainda mais hermético e amargurado e sua atuação vale cada minuto diante da tela. Ele é um dos poucos atores (se não o único) capazes de fugir da canastrice ao interpretar alguém que usa arrogância e violência sexual para disfarçar uma profunda melancolia. Ele escapa do clichê até mesmo nas indefectíveis cenas de tapa na cara, estupro e roupas rasgadas. O espectador é poupado de caretas, olhos arregalados e sorrisinhos marotos. Não é à toa que o moço é chamado de "Cary Grant asiático"...

Trailer

Nota do Crítico
Excelente!
Desejo e Perigo
Se, Jie
Desejo e Perigo
Se, Jie

Ano: 2007

País: EUA, China

Classificação: 16 anos

Duração: 157 min

Onde assistir:
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