Cinco Tipos de Medo usa o mosaico como espelho social do Brasil
Diretor Bruno Bini abraça suas raízes para contar história vibrante sobre luto e vingança
Créditos da imagem: Plano B Filmes/Divulgação
Cinco Tipos de Medo é daqueles filmes que quanto menos você souber antes de assistir, melhor. Não apenas pelos segredos distribuídos em pílulas durante sua trajetória, mas pela narrativa de mosaico usada pelo diretor Bruno Bini para entrelaçar histórias de seus cinco protagonistas que, entre ambições e reações, lutam para alterar suas próprias realidades. Tudo isso dentro da periferia de Cuiabá, no Mato Grosso, um cenário pouco visto no cinema brasileiro.
Cenário este que é muito familiar não apenas para Bini, mas também para Bella Campos, que faz sua estreia em longas-metragens logo em uma história situada em sua cidade natal. Esta familiaridade faz de Cinco Tipos de Medo um projeto quase particular para seus idealizadores e isso é claramente transmitido em tela, já que todos os seus pilares narrativos parecem abraçar as peculiaridades de seus personagens como a última missão, de tão bem que se apresenta o elenco. O rapper Xamã, que teve no longa a sua primeira experiência em uma produção audiovisual, se destaca ainda mais; seu personagem, Sapinho, chefe do tráfico do bairro de Colorado, é um daqueles “vilões” que precisa de pouco mais conquistar a antipatia do público. As aspas se justificam porque Sapinho, apesar de praticar atos hediondos, também é vítima de um sistema que sufoca a vida da população periférica e que vê no crime um caminho - talvez o único - que os ajude a buscar alguma dignidade.
Dentro deste cenário em mosaico, Sapinho serve como a cola que une a narrativa não linear dos jovens Marlene (Bella Campos) e Murilo (João Vitor Silva), da policial Luciana (Bárbara Colen) e do advogado Ivan (Rui Ricardo Diaz). Mas o crime não é o único tema que Bini, com maestria, trabalha com sua visão crítica. Cinco Tipos de Medo é um espelho social do Brasil visto sob a ótica cuiabana: há espaço para discussões sobre a dependência química, o descaso do Estado com a segurança pública e até o combate falho do governo no início da crise da pandemia de Covid-19, para a qual o próprio diretor quase sucumbiu há alguns anos.
O que facilita a compreensão deste quebra-cabeças é que o longa é dividido em capítulos. Se no começo temos tempo para nos afeiçoar pelo romance entre Marlene e Murino, o miolo central foca nos dramas de Luciana e Ivan, que veem suas vidas destruídas por tragédias que, apesar de não serem os mesmos casos, têm tudo a ver uma com a outra. São jornadas banhadas em luto, onde a raiva predomina e nunca os deixam chegar às fases finais de seu sofrimento. Ao chegarmos no clímax do terceiro ato, não há peça que não se encaixe na fotografia final.
O desafio de construir uma história não linear sempre está em dosar os acontecimentos principais envolvendo seus protagonistas sem que um núcleo acabe ofuscado. O maior êxito de Cinco Tipos de Medo é conquistar este feito sem que nada pareça desconexo. Mesmo que algumas sequências sejam mais difíceis de se assimilar do que outras, no final, tudo se encaixa. Bini, que também assina a montagem, toma o cuidado de não deixar pistas soltas sem resolução, e o faz equilibrando drama, ação e comédia com eficiência - essa, talvez, a proeza mais singular de seu projeto.
Em síntese, Cinco Tipos de Medo é mais uma prova de que o cinema nacional vai muito além do eixo Rio-São Paulo. De Norte a Sul, das metrópoles ao interior, há muitas histórias para serem contadas que refletem todas as cores, povos e crenças de um Brasil plural. E a força da narrativa idealizada por Bruno Bini, tão verdadeira e atual, reforça que estes contadores de histórias, assim como as realidade retratadas em seus filmes, só precisam de espaço para que possam ser vistas. Ganha o bairro Colorado, ganha Cuiabá e ganha o país como um todo.