Docudrama é o termo inventado para designar aquele documentário que recorre a ferramentas dramatúrgicas para se expressar. Isso o invalida como registro da realidade? É a questão que se coloca diante de Caminho para Guantânamo (Road to Guantánamo, 2006).
O filme começa mostrando três ingleses muçulmanos de origem paquistanesa, Shafiq, Ruhel e Asif, que falam direto para a câmera. Eles lembram o dia em que a mãe de Asif chegou em Tripton, cidade na Inglaterra onde eles viviam, com a notícia de que arrumaram para ele uma noiva no Paquistão. Mais um quarto amigo, Monir, eles organizam então a viagem ao Paquistão, a viagem do casamento. Transcorrem os dias pós-11 de setembro de 2001. Os Estados Unidos invadem o Afeganistão atrás de Osama bin Laden e da Al Qaeda.
Não convém contar aqui como - Shafiq, Ruhel e Asif narram em detalhes - mas os três amigos acabam parando na prisão estadunidense localizada na baía cubana que dá nome ao filme. Ali ficam presos injustamente por meses, anos, sob regime desumano, e é essa experiência que motivou o diretor inglês Michael Winterbottom a contar a história dos três muçulmanos.
Não convém contar, porque, como se disse, o filme tem estrutura dramatúrgica, e seria estragar surpresas antecipar esses acontecimentos. No começo ficamos em dúvida, quando Winterbottom apresenta cenas no Paquistão, nas vésperas do casamento: como foi que ele conseguiu filmar os três naquela época? Não conseguiu - as cenas são uma dramatização dos fatos. Três bons jovens atores, Riz Ahmed, Harhad Harun e Afran Usman, interpretam, respectivamente, Shafiq, Ruhel e Asif.
Afeito a experimentações formais, Winterbottom mostrou em Código 46, Neste Mundo e 9 Canções que sabe muito bem misturar gêneros. Juntamente com o co-diretor Mat Whitecross, ele levou o Urso de Prata no Festival de Berlim como melhor diretor por Guantânamo. O prêmio no mais politizado dos grandes festivais europeus, de certo modo, legitima as escolhas do cineasta.
O caso é que o longa é vendido como o primeiro a mostrar a realidade dentro da prisão. Não é bem por aí. A reconstituição é competente, seca, realista, mas não deixa de ser uma reconstituição. Pensar em Caminho para Guantânamo como um documentário pode ser mais problemático do que enxergar suas qualidades como drama. Sim, porque os relatos verídicos dos muçulmanos diante da câmera servem como lastro. O que vale é aquilo que Winterbottom filma na reconstituição.
Ali, por se tratar de drama, ele tem liberdade de impor sua ideologia. Entra na cabeça dos personagens para mostrá-los sonhando com as pequenas conquistas e liberdades de Tripton. Registra momentos mundanos dentro das mesquitas para humanizar esse monstro que cresceu diante de nós nos últimos tempos, o Islamismo. E desce o pau na crueldade dos EUA. Porque Caminho para Guantânamo não deixa de ser denúncia.
A boa notícia, cinematograficamente falando, é que Winterbottom, ótimo contador de histórias, aqui particularmente um ótimo narrador de thriller, não se contenta só com a denúncia.