Doc do ARMY, fandom do BTS, é o melhor recurso para conhecer história do grupo
Filme vai além da pregação para convertidos e mostra uma sinceridade surpreendente
Créditos da imagem: Cena de BTS Army: Forever We Are Young (Reprodução)
Não faltam documentários sobre o BTS produzidos nos últimos anos. Diante da oportunidade de mercado e da curiosidade cultural sobre o grupo, elevada à enésima potência a partir da sua entrada definitiva no imaginário estadunidense com “Dynamite” e “Butter”, produziu-se uma enxurrada de filmes que mergulham nos bastidores dessa ou daquela produção, registram esse ou aquele show, abordam a ascensão do grupo ao estrelato dentro e fora da Coreia do Sul e seus impactos culturais. Tanto é assim que o Omelete até fez uma listinha de produções disponíveis no streaming brasileiro, para os fãs completistas de plantão. Mas nenhum desses documentários vai te dar uma visão mais compreensiva e profunda da trajetória do maior grupo pop do planeta do que BTS Army: Forever We Are Young.
Em parte, isso tem a ver com lógica de produção. Enquanto produções anteriores sobre o BTS, quase unanimemente, vinham direto da HYBE (gravadora do grupo) ou eram definidas por um nível extraordinário de interferência da HYBE, Forever We Are Young é um filme independente. Dirigido pela acadêmica Patty Ahn, já conhecida por seus estudos culturais sobre a carreira do grupo, e pela cineasta Grace Lee, dona de um currículo premiado no âmbito do documentário estadunidense, Forever We Are Young naturalmente tem mais liberdade para tocar questões que podem ser incômodas para a narrativa institucional, mas também uma visão antropológica que falta aos “filmes oficiais” do BTS. A ideia aqui é entender, buscar histórias e contá-las, com um olho atento para onde elas se cruzam.
Forever We Are Young, portanto, se impõe como um trabalho de investigação, não exercício de mosquinha-na-parede em momentos íntimos dos artistas. Foi justamente nessa segunda caixinha que a maioria dos documentários que citamos acima procuraram se encaixar, e até por isso muitos deles deixavam o sentimento de “pregação para os convertidos”. Ei, ARMY, venha ver J-Hope ou RM produzindo o seu novo álbum! Ei, ARMY, que tal uma bagatela de performances entrecortadas com declarações de amor dos artistas? Alguns desses documentários se saíram melhores que outros, mas todos eles funcionam melhor para quem já conhece o jogo que eles estão jogando, e está disposto a entrar na brincadeira.
BTS Army: Forever We Are Young, enquanto isso, olha para dentro do fandom e busca virá-lo do avesso para que ele possa ser observado de fora. E as histórias que as diretoras encontram ali são, na maioria das vezes, genuinamente excitantes. No primeiro ato, elas fazem um raio-X do sentimento de subversão que impulsionou o início da carreira do BTS, tratando os atos da comunidade de fãs que se reuniu ao redor desses garotos subestimados em sua própria terra natal como eles eram: um desafio. Desafio à hegemonia cultural anglófona que mantinha o k-pop, ainda que tantos artistas tenham feito tantos ganhos antes do BTS, na periferia da conversa cultural ocidental. Desafio a uma Coreia conformista que as letras e atitudes daquele grupo específico expunham - o que eles fizeram em termos de comunicação com os fãs e apelo ao sentimento de deriva da adolescência pode ter virado padrão depois, mas estava longe de ser assim em 2013.
Empurrar o BTS até onde eles chegaram foi, de fato, uma mudança de maré cultural operada por um grupo multinacional, multirracial, multi-tudo que se reuniu ao redor deles. Foi uma revolução, e o filme captura essa energia em primeira mão, com uma combinação dinâmica de imagens de arquivo raras e entrevistas generosas, bem pautadas e bem produzidas, com fãs ao redor do mundo. E então, é claro, tudo muda. O momento mais surpreendente de BTS Army: Forever We Are Young vem na sua última meia hora, que ousa perguntar o que acontece quando os vira-latas se tornam hegemonia. Eles permanecem fiéis aos preceitos que eram tão importantes a ponto de desafiarem uma ordem que os julgava inadequados? A resposta, claro, é nem sempre.
O filme de Ahn e Lee entende que o fenômeno ARMY se fraturou diante da popularidade do grupo e o agravamento de uma toxicidade on-line que atingiu ponto de febre durante a pandemia de covid-19, bem o período de "Dynamite" e suas sucessoras. O AMY de hoje é dividido entre um movimento de teor surpreendentemente político que usa a força da comunidade para provocar mudança, e uma panelinha de fanáticos cronicamente online que seguem à risca o livro de regras perversas do inferninho que se tornou o espaço virtual nos últimos anos. Forever We Are Young não se rende à narrativa derrotista de “olha aí mais uma coisa boa que a internet arruinou”, mas reconhece ali uma ambivalência, uma complexidade - e isso já é um ato de coragem cinematográfica diante da aura de chapa-branquice que domina as outras produções sobre o BTS.
Ainda há um lastro de excepcionalismo aqui, é claro, além de algo de anglocentrismo em suas escolhas de entrevista e reportagem. Este não é um trabalho de rigor jornalístico impávido, mas um retrato de fandom que preza pelo coração. Até por isso, ele assume algumas miopias, economiza em alguns contextos - e está tudo bem! Como retrato apaixonado de um fenômeno cultural de interesse geral, é mais do que o bastante que BTS Army: Forever We Are Young seja honesto sobre suas nuances, e busca abrí-las para um público que talvez não as entenda ainda.
BTS Army: Forever We Are One
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