Bom Menino | “Terror do doguinho” assusta e encanta com aula de montagem
Produção simples encontra, em técnica básica do cinema, a forma perfeita para contar sua história.
Volta e meia, aspectos técnicos de filmes e séries viram motivo de discussão e acabam se tornando um medidor de qualidade da produção. “Uma fotografia linda”, “um som maravilhoso”, maquiagem e próteses e, claro, a montagem. As mais ágeis, como nos filmes de Edgar Wright, viram as favoritas, com suas batidas ritmadas e colagens espertinhas. Do outro lado, há quem acredite que apenas um bom roteiro possa sustentar a história e que a parte técnica seja um complemento nessa construção. Bom Menino, o novo terror produzido pelo Shudder, é um grande exemplo de que a parte técnica pode sustentar uma boa ideia até certo ponto.
O filme de Ben Leonberg acompanha, pelo ponto de vista do cãozinho Indy, um Toller Retriever, uma história de casa mal-assombrada. Quando Indy e seu dono Todd (Shane Jensen), um homem com doença pulmonar, se mudam para uma casa no interior, o cachorro começa a ver presenças estranhas e a presenciar situações que envolvem o ex-morador da casa, o avô de Todd, e figuras sinistras. A ideia de Bom Menino é muito simples. Acontece que o filme se torna um grande experimento e um exercício fascinante de montagem, amparado pelo carisma de Indy. É impossível não torcer a favor do protagonista e sofrer com o terror imposto a ele nessa nova casa.
O filme é uma aula de Efeito Kuleshov, técnica criada pelo cineasta soviético Lev Kuleshov na década de 1920, em que se experimentava a justaposição de imagens para criar emoções distintas no público. A técnica foi adotada pelo cinema mudo como uma forma de contar histórias sem necessidade de diálogo — algo que, mais de 100 anos depois, se torna fundamental para Ben Leonberg contar sua narrativa. Creditado como Curtis Roberts, o diretor e roteirista de Bom Menino utiliza a técnica secular para criar as emoções de Indy e a dinâmica é tão fluida que chega a ser inacreditável quando o diretor conta que Indy é seu pet de verdade e não um cãozinho treinado para atuação. A forma como Leonberg trabalha o olhar e os movimentos naturais de Indy com os planos seguintes é impressionante, chancelando um trabalho de mais de um ano de filmagens com o animal.
A questão é que a história de Bom Menino é uma boa ideia, mas parece esticada ao máximo para caber no formato de longa-metragem, mesmo tendo apenas 73 minutos. A trama acaba repetindo situações e, em alguns momentos, fugindo um pouco de sua premissa. Ao não encontrar soluções práticas para acompanhar de perto o olhar de Indy, Leonberg filma de cantos opostos da sala, afastando a visão do filme e tornando-a muito mais subjetiva. Os ADR — gravações de voz na pós-produção — também não ajudam muito, causando uma estranheza na relação entre Indy e Todd.
Por mais incrível que seja acompanhar de perto o cãozinho, é difícil não pensar em Bom Menino como uma ideia que se aproveita do sofrimento do animal — na história, claro — para nos fazer engajar. É uma linha tênue entre mostrar que, independentemente do que aconteça, Indy sempre estará ao lado de Todd, ou fazê-lo sofrer com as figuras sinistras e o comportamento errático do dono doente para que tenhamos pena. De uma forma ou de outra, quem sai ganhando é Indy, que, ao lado da técnica de Ben Leonberg, entrega uma das melhores atuações do ano até aqui.
[Texto publicado em 30 de outubro]
Bom Menino
Good Boy
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