Amores Materialistas deixa sensibilidade de lado para tratar amor como negócio
Capitalismo se apodera do sentimento no novo filme de Celine Song
Em 2023, peguei um ônibus do Rio de Janeiro para São Paulo, para participar da CCXP daquele ano. Já era noite e estava no assento da janela. No reflexo do vidro era possível ver que o passageiro da frente estava utilizando um aplicativo de relacionamento. Até aí, tudo normal. O que chamou a atenção era a velocidade com que ele passava as opções de possíveis parceiras tanto para o sim quanto para o não. Era óbvio que o único “não negociável” em sua escolha era a aparência. Amores Materialistas, novo filme de Celine Song (Vidas Passadas), me remeteu diretamente a esse momento e a estruturação dos relacionamentos e sentimentos atuais. Mas seriam eles tão modernos assim?
A história acompanha Lucy (Dakota Johnson), uma “casamenteira”, que trabalha em uma agência que fatura milhões para conseguir relacionamentos e casamentos para suas clientes. Em entrevistas e encontros, ela consegue catalogar tudo o que ambos os lados da relação esperam do outro parceiro. O foco inicial, claro, está nos padrões de beleza, profissões e qual o salário anual de cada um. Nesse meio tempo ela vai conhecer Harry, um milionário interpretado por Pedro Pascal, e reencontrar John (Chris Evans), seu antigo namorado, que trabalha como garçom e tenta a vida como ator.
A premissa de Amores Materialistas parece básica ao olharmos pela sinopse ou pelo trailer, que promete mais um romance qualquer, aproveitando a imagem do triângulo amoroso formado por seus astros. Entretanto, assim como Vidas Passadas também pode enganar pela sua simplicidade, aqui, Celine Song deixa a sensibilidade do filme anterior de lado para olhar o amor como uma forma de negócio, uma estruturação que permite adequar nosso futuro e planejar o “felizes para sempre”. A grande questão é: precisamos de alguém ou algum aplicativo para fazer isso para nós? Song discute como o capitalismo exerce uma força extrema em nossas escolhas e como elas passaram a se tornar “naturais” quando o assunto é o amor eterno. Na visão de Lucy e de grande parte das suas clientes, a estabilidade financeira é primordial para a felicidade. Olhando pela nossa janela, estariam elas erradas? O que Amores Materialistas tenta nos mostrar é que esse é o novo natural e a história nunca abraça essa ideia como certa ou errada.
A escolha de Dakota Johnson como a protagonista pode até não parece a melhor. Mas ao longo da trama e com o desenvolvimento de Lucy, o aspecto angelical e a voz doce, que causa estranheza quando a atriz precisa se estressar, combina perfeitamente. A própria saturação da imagem de Pedro Pascal - em cartaz em três filmes no momento e com The Last of Us ainda na memória - ajuda na construção da ideia de que Harry é o “par perfeito”. O rosto simpático, galã-bom-moço, perfeito para ser o “pai de família” é o match ideal para os executivos de Hollywood e para a ideia de Song. O mesmo vale para Evans, o Capitão América gostosão que nunca - além da Marvel - parece ser levado a sério.
Song e o cinematógrafo Shabier Kirchner utilizam bem a fotografia para expressar essa dualidade do pensamento de Lucy e dos relacionamentos. Os enquadramentos simetricamente pensados e sem muita movimentação na estabilidade e segurança dela com Harry. A câmera na mão e o naturalismo quando está com John. A diretora torna a experiência muito clara - e que não deveria ser confundida com ser rasa - nunca enchendo de floreios algo que é tão cotidiano. Aliás, é impossível achar que uma determinada situação com o personagem de Pascal não foi proposital, dado seu papel mais recente.
Amores Materialistas não se debruça em longos diálogos - mesmo que eles estejam lá - e momentos de introspecção para discutir seu ponto principal. O roteiro de Celine Song é muito direto - e até debochado - com a situação. Ele se apropria dos clichês de comédias e romances para mostrar que o capitalismo nos faz querer um “amor concreto”, que nos estabeleça e nos dê segurança, mas que ao mesmo tempo o idealizemos como mágico e o momento perfeito para gastarmos uma fortuna com o casamento dos sonhos. Não é à toa que Lucy cite se sentir “valioso” algumas vezes na história. O amor pode até ser lindo, mas para Amores Materialistas, ele tem um preço e uma hora ou outra, ele será cobrado.
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