Amor Enrolado esconde dramas agudos no meio de boa rom-com adolescente
Predicado em um gancho enganoso, filme tem mais na cabeça do que parece
Créditos da imagem: Cena de Amor Enrolado (Reprodução)
Em certa medida, é uma surpresa genuína quando Amor Enrolado, novo filme sul-coreano da Netflix, começa a mostrar suas garras dramáticas - até porque ele o faz com muita parcimônia. Pacientemente, ele identifica rachaduras nas vidas encantadas dos estudantes que compõem uma sala de ensino médio em Busan, charmosa cidade litorânea da Coreia do Sul; rachaduras que sempre estiveram lá, subentendidas em diálogos entreouvidos e confissões inesperadas durante o primeiro ato. O filme, no entanto, insiste em passar por cima delas… até que elas se tornam incontornáveis.
No roteiro assinado pelas estreantes Ji Chun-hee e Wang Doo-ri, o caladão Han Yoon-seok (Gong Myoung) chega a Busan com a mãe solteira e logo se aproxima do grupo de amigos de Park Se-ri (Shin Eun-soo), uma jovem com pouco talento acadêmico e ainda menos popularidade - até por conta dos cabelos crespos que herdou do pai. Na Coreia dos anos 1990 (a bem da verdade, até na de hoje…), a raridade deste traço genético presume certa pressão estética que, é claro, pesa ainda mais para uma garota em plena puberdade, desconfortável no próprio corpo.
Embora Se-ri tenha um crush pelo atlético e simpático Kim Hyeon (Cha Woo-min), não é preciso ser vidente para entender que o rapaz é um mero obstáculo no caminho para que os novos amigos percebam que são feitos um para o outro. Nas mãos de Ji e Wang, no entanto, até essa jornada de rom-com tradicional adquire tons de amadurecimento bem sombreados. A história de Yoon-seok e Se-ri é a história de dois jovens tentando redescobrir uma confiança que foi desarranjada por forças maiores que eles, que encontram no espelho do outro uma forma de mudar o olhar que voltam a si mesmos.
Conscientemente ou não, o espectador de Amor Enrolado não demora a pescar esse subtexto, e lá pela metade do filme já é excessivamente fácil se ver torcendo e sofrendo pelo casal principal. É claro, então, que o terceiro ato se aproveita desse envolvimento para cavar ainda mais fundo nas circunstâncias que quebraram esses personagens - há de se segurar algumas surpresas aqui, que me desculpem os famintos por spoilers -, revelando uma dramaturgia de olhar cristalino para as angústias agudas que se escondem por trás de carapaças construídas cedo demais.
É aí, também, que a direção de Sun Nam-koong (Time to be Strong) brilha. Se o seu Amor Enrolado perde feio para outros exemplares do cinema teen sul-coreano quando se trata de evocar o espírito leve da juventude (este ano mesmo tivemos o ótimo A Menina dos Meus Olhos no circuito brasileiro), Sun certamente se mostra uma diretora dramática mais elegante e mais observadora que muitos de seus colegas de gênero.
A câmera da cineasta sempre está posicionada na distância certa, inclusive nos grandes momentos emocionais da trama, quando se mostra distante o bastante para não parecer invasiva, mas próxima na medida correta para não parecer fria. E Amor Enrolado ainda brinca belamente com as cores das estações em Busan, numa dança enamorada com o mar, o Sol, a neve e o vento frio que alternadamente açoitam os personagens.
Com um grupo talentoso de jovens atores que parecem mesmo estudantes de colegial (o departamento de maquiagem e figurino faz um trabalho excelente até com o protagonista Myoung, do alto de seus 31 anos de idade), o longa da Netflix compensa em solidez narrativa e competência dramática o que talvez lhe falte em ambientação. O resultado é uma experiência que satisfaz a coceira por um bom romance adolescente, mas também enriquece a visão que cultivamos da juventude.
Amor Enrolado
고백의 역사
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