Até pela quantidade de lançamentos dentro deste gênero, é fácil passar pelo pôster de A Vizinha Perfeita no catálogo da Netflix e supor que aquele tijolinho representa apenas mais um documentário true crime saído da aparentemente infinita esteira de produção do streaming. Em alguns minutos, porém, ficará claro que esse não é um apelo sensacionalista ao choque vazio, como do selo Desastre Total. 

Vencedor do prêmio de melhor direção da mostra de documentários no Festival de Sundance, A Vizinha Perfeita é true crime apenas no sentido de abordar um crime verdadeiro, mas no lugar de depoimentos melodramáticos e ética questionável, o documentário – já apontado como favorito a uma indicação no Oscar 2026 da categoria – tem uma apresentação direta e seca. Composto apenas de imagens gravadas pelas câmeras corporais de policiais e câmeras de segurança, este filme dispensa a editorialização pesada em favor de um simples, mas eficaz trabalho de organização e curadoria. Aqui estão os fatos. Um depois do outro. O resultado poderia ser frio e distante, mas, graças ao olhar preciso da diretora Geeta Gandbhir, a experiência é justamente o oposto disso.

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A Vizinha Perfeita registra os eventos que levaram até a morte de Ajike "AJ" Shantrell Owens, baleada por Susan Lorincz em junho de 2023 na Flórida (EUA), depois de uma série de encontros tensos envolvendo a polícia. A rotina era sempre a mesma: Lorincz chamava a política para reclamar do barulho das crianças da rua – Owens é apenas uma das mães cujos filhos brincavam ao ar livre por ali – e, quando a polícia chegaba, reclamações sobre a forma como a mulher tratava e falava com seus vizinhos eram tão constantes quanto as denúncias dela de que os pequenos estariam, supostamente, invadindo sua propriedade privada. Tudo isso culminou num dia em que Lorincz, num ato de violência brutal, atirou em Owens pela porta, matando sua vizinha.

É curioso ver como algumas reações ao filme – que sem dúvidas tem a intenção de questionar a lei “Stand Your Ground” do estado da Flórida, uma legislação que visa proteger a legítima defesa, mas que abre espaço para acontecimentos como esse – o acusam de falta de empatia com Lorincz, como se Gandbhir não reconhecesse o lado dela da história. Dizer que não há uma tendência por parte da cineasta é um equívoco (Owens era a melhor amiga da cunhada da diretora), mas a forma como Gandbhir conduz o filme parece ter justamente sua proximidade com o assunto em mente.

Afinal de contas, A Vizinha Perfeita não escolhe a ordem de suas cenas para favorecer um ou outro caso. Ele não coloca entrevistas emocionantes com o filho de Owens para levar o público às lágrimas. Com exceção de cenas finais que mostram protestos em favor da vida que foi ali perdida, este é, essencialmente, um filme de arquivo. As gravações não foram escolhidas a dedo; elas aconteceram. Elas revelam a preocupação dos pais para que os filhos não pisem no gramado de Lorincz tanto quanto mostram como aquela comunidade se sentia ameaçada pela tal vizinha perfeita. Quando Lorincz é levada até a delegacia e sente o peso do que fez, a decisão de Gandbhir não cortar para longe da imagem mulher – sozinha e chorosa na sala de interrogatório – não é um ato de humilhação, mas de total tristeza por tudo que aconteceu.

Na verdade, A Vizinha Perfeita não quer pintar as crianças como santos, ou dizer que Lorincz não tinha direito a buscar uma vida de paz, apesar de não fugir de mostrar os desequilíbrios da mulher. O grande feito do filme está em mostrar como uma resposta desproporcional pode ser devastadora para uma família. Ao não construir um vai-e-vem narrativo de manipulações emocionais, Gandbhir deixa cada ação falar por si mesma. Quando aquela bala acerta Owens, a gravidade de sua morte se mostra inescapável. Qualquer validade inerente às reclamações de Lorincz logo se dissipam quando somos confrontados com algo que, diferente de crianças barulhentas, jamais poderá ser resolvido. Uma mãe se foi.

A Vizinha Perfeita

The Perfect Neighbor

2025

98 min

País: EUA

Classificação: 14 anos

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