A Última Ceia | Crítica
Halle Berry, por si só, fortalece, e muito, a mensagem da película.
Quando Halle Berry ganhou o Oscar 2002 de Melhor Atriz por A Última Ceia (Monsters Ball, de Marc Forster, 2001), justiça imediata e histórica foram feitas. Histórica porque, em 73 anos da premiação, nenhuma mulher negra havia levado o troféu de melhor atriz. E imediata, por uma razão pragmática: o seu desempenho no filme surpreende pelo domínio cênico e pelo vigor.
Em seu discurso de agradecimento, a atriz lembrou estrelas do passado, como Dorothy Dandridge (1923-1965), e criticou a barreira racista que moldava o prêmio. Disse, inclusive, que o muro começa a ser derrubado. Detalhe: em A Última Ceia, a temática concentra-se exatamente no racismo, no seu combate, abordado com realismo, certa crueldade, mas sempre com sinceridade.
Berry faz o papel de uma mãe, de nome Leticia, já viúva, que também perde o filho, Tyrell (Coronji Calhoun), atropelado. No Sul dos Estados Unidos, Estado da Geórgia, o preconceito incrustado na população agrava ainda mais a tragédia da moça. Por outro lado, a vida de Hank (Billy Bob Thornton) igualmente desmorona, mas por motivos distintos. Encarregado do corredor-da-morte, das execuções na penitenciária do Estado, ele sustenta uma família de homens. Seu pai, o ex-policial Buck (Peter Boyle), a personificação do racismo, beira a invalidez. Entretanto, Sonny (Heath Ledger), o seu filho, também policial, destoa da ordem. Faz amizades entre negros e discorda das execuções por cadeira-elétrica que ambos administram.
Depois de mais uma condenação de praxe, Sonny briga com o pai. Primeiro, a discussão e, em seguida, o suicídio do rapaz - um tiro no peito. Hank decide pedir demissão. Ao mesmo tempo, começa a simpatizar com os ex-amigos de Sonny. E daí, ao prestar socorro a Leticia na noite da morte de Tyrrell, estabelece-se uma relação. Abalados, amparam um ao outro. Quando o amor aparece, as diferenças raciais ficam relegadas a segundo plano. Os próximos passos, nem sempre suaves, enchem-se de ensinamentos e sentimentos puros.
Na essência, A última ceia, expressão que remete à refeição derradeira dos condenados à morte, diz respeito ao nascimento. Dos escombros, Leticia e Hank tiram a ressurreição. Na dificuldade, enxergam lições verdadeiras.
Manchas de sangue
Não seria possível tratar um tema tão espinhoso e de forma tão densa, sem uma direção e um elenco notável. Vindo do circuito alternativo, o criativo Marc Forster, nascido na Suíça, comanda a sua primeira grande produção sem perder o arrojo e a segurança. Impressiona através de metáforas inteligentes, como as manchas de sangue de Sonny e Tyrrell que Hank remove dos móveis e das roupas. O mérito maior, porém, fica com os protagonistas. Enquanto Thornton desenvolve com primor a sobranceria habitual, o promissor Ledger exerce com tranqüilidade um papel dificílimo. Até mesmo Sean Combs, mais conhecido como o rapper Puff Daddy, mostra-se competente no relevante papel de um condenado.
A atuação de Hale Berry, porém, sobressai às demais. Antes de A última ceia, a atriz limitava-se a papéis secundários em películas de ação como X-Men: o filme (X-Men, de Bryan Singer, 2000) e A Senha: Swordfish (Swordfish, de Dominic Sena, 2001). A sua interpretação mais elogiada foi justamente o papel de Dorothy Dandridge, numa cinebiografia para a televisão norte-americana, em 1999. Na produção de Forster, Berry possui todo o ambiente para brilhar: uma personagem forte, cenas difíceis e um roteiro de poucos diálogos, que privilegia os climas e as expressões faciais. Quer seja numa cena de sexo, ao imitar uma bêbada ou ao cair em prantos, a atriz foge de estereótipos e enriquece a história. Por si só, fortalece, e muito, a mensagem da película.
A Última Ceia
Monster´s Ball