Em 1922, o alemão Friedrich W. Murnau (1888-1931) dirigiu um dos maiores clássicos do cinema, "Nosferatu" ("Nosferatu, eine Symphonie des Grauens"), tido como um dos melhores, senão o melhor, filme sobre vampiros. Como Murnau não conseguiu os direitos autorais de "Drácula", negados pela viúva de Bram Stoker, decidiu alterar o nome de seu vampiro, de Conde Vlad para Conde Orlok, e de sua procedência, da Transilvânia para Bremen, Alemanha. "Nosferatu" marcou o cinema não só pelos arrojos de produção, limitados pelas técnicas existentes na época, mas também por retratar o vampiro de forma realista, sem o glamour de um galã sanguessuga, mas como um ser medonho condenado a sofrer na eternidade.
Nesse ponto, a performance excepcional de Max Schreck (1879-1936) reforçou a abordagem de Murnau. Schreck, em sua estréia, no papel que o consagrou, convenceu a todos - e se colocou um passo à frente de Bela Lugosi (1882-1956), de Christopher Lee e de Gary Oldman, os Dráculas mais destacados do cinema. De tão assombroso, o empenho de Schreck suscitou idéias bem curiosas nas mentes férteis do diretor E. Elias Merhige e do roteirista Steven Katz, responsáveis por "A Sombra do Vampiro" ("Shadow of The Vampire"), de 2000. Não seria Schreck um vampiro de verdade?
Lógica artística
"A Sombra do Vampiro" se ambienta em 1922, durante as filmagens de "Nosferatu". Excêntrico ao máximo, Murnau (John Malkovich) esconde de sua equipe os detalhes que cercam a mais ambiciosa de suas produções. Apenas esclarece que as cenas externas serão filmadas num velho casarão e numa caverna obscura. Responde, também, às dúvidas sobre o ator principal, o desconhecido Max Schreck(Willem Dafoe, maquiagem, sotaque e trejeitos perfeitos), descoberto por Murnau em algum teatro alemão. Segundo o diretor, Schreck se aprofunda no personagem, vive-o intensamente, como técnica própria de interpretação. Mas o cineasta não revela o mais importante: Schreck é, na verdade, o próprio vampiro no qual a história se baseia.
A negociação arriscada que Murnau mantém com o monstro tem uma lógica artística. Ao confrontar o elenco com o próprio Nosferatu, o diretor pretende conseguir atuações mais convincentes, mais realistas. Quando questionado sobre sua decisão de utilizar pessoas comuns como figurantes, Murnau diz: "não tem problema, eles não precisam interpretar, eles só precisam ser". Claro, as manias do diretor, caracterizadas com certo exagero pelo grandiloqüente Malkovich, resultam em desastre. Em nome de seu filme, Murnau se mostra mais monstruoso do que o vampiro.
Mais do que oferecer uma trama ficcional, um suspense com dose forte de humor negro, "A Sombra do Vampiro" homenageia com primazia o grande clássico e levanta duas questões que envolvem o próprio cinema. Primeiro, até que ponto um ator precisa se entregar ao personagem, entrar no papel, para lhe confiar fidedignidade? Max Schreck, o vampiro, leva o lema ao limite. E, segundo, o sacrifício é legítimo em nome da arte? Pelo menos neste filme, F. W. Murnau decide que sim.
A Sombra do Vampiro
Shadow of the Vampire
Ano: 2001
Gênero: Drama
País: EUA, Inglaterra, Luxemburgo
Classificação: 14 anos
Duração: 93 min
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