Para o bem e para o mal, A Lenda do Cavaleiro Verde é uma experiência única

Créditos da imagem: Dev Patel e Sean Harris em cena de A Lenda do Cavaleiro Verde (Reprodução)

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Crítica

Para o bem e para o mal, A Lenda do Cavaleiro Verde é uma experiência única

David Lowery não faz ideia do que está fazendo, e isso é frustrante e excitante na mesma medida

Omelete
3 min de leitura
28.01.2022, às 13H38.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 00H47

Há algo de eletrizante na experiência de assistir a A Lenda do Cavaleiro Verde. Em alguns momentos das 2h10 do filme, é possível sentir a tensão que perpassa a encenação comandada por David Lowery - não necessariamente porque a situação do roteiro pede por isso, mas porque o filme parece sempre estar prestes a sair rodopiando por uma tangente, incapaz de (ou indisposto a) se prender muito firmemente a uma estrutura narrativa convencional. Lowery não está aqui para te contar uma história, exatamente. Ele quer fazer você sentir algo, mesmo que não saiba muito bem o quê.

O cineasta, queridinho tanto do cinema independente (Sombras da Vida, O Velho e a Arma) quanto dos grandes estúdios (Meu Amigo o Dragão, o vindouro Peter Pan), se entrega aqui a alguns de seus impulsos mais puros como artista. Por exemplo: especialmente nas suas cenas iniciais, A Lenda do Cavaleiro Verde herda das obras anteriores de Lowery a tendência ao naturalismo visual, à la Terrence Malick ou Chloé Zhao, criando um universo arturiano desprovido da pompa artificial de suas outras encarnações cinematográficas. Os cavaleiros da Távola Redonda de Lowery vivem num mundo sujo, vulgar, terreno - e, por isso mesmo, são palpavelmente humanos.

A corte arturiana, no entanto, é só o ponto de partida da história. Aqui, nosso protagonista é Gawain (Dev Patel), um jovem pouco interessado em feitos heróicos até o dia em que encontra o tal Cavaleiro Verde (Ralph Ineson, debaixo de pesada maquiagem), uma criatura meio-árvore e meio-humana que o desafia para um jogo mortal. Para não revelar demais da trama, basta dizer que esse encontro acaba empurrando o rapaz na direção de uma jornada perigosa e surreal pelo interior da Inglaterra, onde encontra criminosos, espíritos, gigantes, animais falantes, e muito mais.

A abordagem naturalista de Lowery se confronta de maneira direta com essa viagem cada vez mais lisérgica de Gawain, mas o diretor não abandona de todo as fundações da primeira meia hora do filme. Ao invés disso, ele procura promover um encontro entre o lúdico, o sombrio, e o real. A Lenda do Cavaleiro Verde banha seus campos enevoados e montanhas intimidadoras com luz artificial multicolorida, e não faz questão de esconder a irrealidade de suas criaturas de CGI, mas também encara todas essas imagens absurdas de forma direta, renunciando às referências kitsch e carnavalescas de clássicos da fantasia sombria, como Excalibur e A Lenda.

Algo do prazer desse tipo de história se perde nessa escolha estética, é claro. Em algum ponto do estendido segundo ato, o espectador provavelmente vai se ver desejando que A Lenda do Cavaleiro Verde fosse mais bem resolvido consigo mesmo e com o subgênero em que trafega, o épico de travessia. Em muitos momentos, o filme de Lowery se aproxima mais de uma divagação, um fluxo de consciência traduzido em celuloide - fábula ambientalista, reflexão cruel da passagem do tempo e da finitude humana, drama social agudo sobre a forma como nos apegamos a símbolos em detrimento da realidade de nossas vivências, thriller psicológico com entrelinhas bissexuais… tudo de uma vez só e, ao mesmo tempo, nada de forma muito concreta.

Esse acaba sendo o triunfo e a derrocada do filme. Lowery não sabe exatamente o que é sua história, ou que obra quer criar com ela, e nessa incerteza busca se agarrar a todo texto e subtexto que encontra, tanto no conto original do século XV quanto nas torções e deturpações dele que promeve em seu próprio roteiro. O resultado não é um grande filme, mas sem dúvida é um filme que fica reverberando na cabeça do espectador por muito tempo depois que os créditos sobem, especialmente tendo em vista sua cena final arrebatadora.

A atuação valorosamente angustiada de Dev Patel até tenta firmar os pés de A Lenda do Cavaleiro Verde no chão, mas tudo o que o filme quer é voar. No fim das contas, o sorriso cínico de Ralph Ineson no papel do monstro encarna muito melhor a experiência anárquica, épica, frustrante e provocativa que é assisti-lo.

Nota do Crítico
Bom
A Lenda do Cavaleiro Verde
The Green Knight
A Lenda do Cavaleiro Verde
The Green Knight

Ano: 2021

País: Irlanda/Canadá/EUA

Duração: 130 min

Direção: David Lowery

Roteiro: David Lowery

Elenco: Ralph Ineson, Kate Dickie, Sean Harris, Barry Keoghan, Sarita Choudhury, Joel Edgerton, Dev Patel, Alicia Vikander

Onde assistir:
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