A Hora do Mal tem o melhor final do ano (e muito mais)
Novo filme de terror de Zach Cregger borbulha com a violência do subúrbio
Justine Gandy (Julia Garner) é uma professora do 5º ano do ensino fundamental. Certa vez, todas as crianças da sua sala fugiram de casa, sozinhas, às 2h17 da manhã. A exatidão da hora provavelmente explica a decisão da Warner do Brasil de chamar o novo filme de Zach Cregger de A Hora do Mal no país. Apesar do título não ser inapropriado, ele não é tão impactante quanto o original: Weapons. Traduzido literalmente para Armas, ele – aliado ao contexto do apagamento de uma classe inteira de uma escola norte-americana – indica a intenção desta obra: A Hora do Mal é um filme sobre violência.
Essa violência está borbulhando. Pronta para ser detonada. É uma violência que, aliás, possui um caráter muito suburbano. Algo que infesta as casas por trás das cercas brancas. Um segredo permeando as ruas outrora pacatas de uma cidade pequena, e cujas principais vítimas são os pequenos. Apesar de armas de fogo só surgirem em dois momentos específicos do filme, e só em um deles com caráter mais sinistro, o contexto de A Hora do Mal é claramente inspirado nos tiroteios em massa – como em outros atos de agressão – que de forma recorrente tiram e/ou marcam a vida de crianças de maneira brutal, revoltante e incompreensível. É assim que Archer (Josh Brolin), pai de um dos alunos da Srta. Gandy, descreve a sensação dos moradores Maybrook diante dos acontecimentos bizarros daquela madrugada; ninguém consegue compreender. Durante boa parte das suas 2h09 de duração, A Hora do Mal está mais do que contente em nos deixar na mesma posição: perdidos na noite.
Para iluminar o caminho, Cregger constrói um roteiro que – como seu anterior, o excelente Noites Brutais (Barbarian, 2022), salta no tempo, troca de perspectiva e conecta personagens – apresenta os eventos da investigação que se segue através de diferentes pontos de vista; cada um completando buracos deixados pelo anterior. Há Justine, Archer, e também o policial Paul (Alden Ehrenreich), o morador de rua James (Austin Abrams), o diretor do colégio, Marcus (Benedict Wong), e, finalmente, há Alex Lilly (Cary Christopher), um menino da mesma escola que pode, ou não, saber algo sobre o desaparecimento dos colegas. Passando o bastão de um para o outro, A Hora do Mal funciona como redemoinho, sugando cada um destes nomes para o centro de uma fantasia sombria à la Stephen King.
King claramente influenciou toda a obra de Cregger, e há piscadelas para It e O Iluminado, mas a assinatura do diretor segue presente. Como em Noites Brutais, ele não está interessado em assustar por assustar. Há uma veia cômica perceptível em A Hora do Mal, uma espécie bizonha de humor que toma forma quando a personagem de Amy Madigan entra em cena, trazendo uma atuação com doses iguais de estranheza, risos nervosos e fragilidade trágica. Há, também, um cuidado textual a mais com os protagonistas. Se o terror hollywoodiano moderno às vezes sofre por transformar as figuras da história em funções a serem cumpridas para chegar ao próximo susto, o diretor-roteirista enxerga cada um individualmente – com dilemas à parte do enredo principal, falhas de caráter e charmes particulares. Isso é um prato cheio para o elenco, em especial Garner, Ehrenreich e Brolin.
O drama de cada um tem seus altos e baixos narrativos, mas as atuações permanecem em alta, conferindo ao filme um gancho emocional importante. Sem ele, A Hora do Mal ainda seria um bom filme, mas com ele, há um investimento genuíno na conclusão do mistério; um que vai além das respostas.
Isso, claro, não significa que as perguntas não sejam profundamente intrigantes. E A Hora do Mal está visivelmente mais interessado em trabalhar a confusão, e trabalhar a partir dela, para nos situar no desconfortável, do que em simplesmente assustar de forma barata. Seu horror existe da comunicação de um desequilíbrio moral, e talvez espiritual, dentro dos lares aparentemente tranquilos destas ruas. É um toque Lynchiano (sem tanto surrealismo) que Cregger aplica a ideias muito modernas sobre a desconfiança e o individualismo da vida na classe média ocidental do Século 21. Câmeras de segurança por toda parte. Adultos procurando culpados. Policiais com dedo no gatilho. Uma comunidade prestes a explodir.
Desta forma, o segundo maior mérito de A Hora do Mal é construir essa atmosfera sem se tornar pedante ou apelar para imagens chocantes feitas para emular a realidade, mas apostando no clima de tensão e incerteza para cumprir o objetivo. E digo o segundo maior mérito, porque não há como não celebrar o final deste filme como seu grande feito. Cregger encerra A Hora do Mal com um espetáculo violento, uma sequência imprevisível que imediatamente se anuncia como essencial ao ser encenada, em que o fator surpresa se transforma numa satisfação visceral. É um tiro no alvo, na hora certa.
A Hora do Mal
Weapons
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