A Grande Viagem da Sua Vida não tem insights que justifiquem seu misticismo
Casal principal sem química sufoca ainda mais um drama cuja “fofura” só faz irritar
Créditos da imagem: Margot Robbie e Colin Farrell em A Grande Viagem da Sua Vida (Reprodução)
Por um brevíssimo momento lá pela metade dos anos 2000, Hollywood se viu enamorada pelo trabalho do roteirista Zach Helm. O seu cartão de visitas foi Mais Estranho Que a Ficção (2006), um surpreendente sucesso de bilheteria e crítica sobre um cara comum que começa a ouvir a narração de sua própria vida. Introduzindo uma pitada de surrealismo a um cenário dramático contemporâneo corriqueiro, que exagerava excentricidades dos personagens para se segurar como entretenimento, ele parecia ter conquistado um público faminto por histórias humanas, mas indisposto a acompanhá-las sem algo de místico embutido nelas, até a fim de separá-las do cinismo do mundo real.
Essa parece ser a lógica seguida por A Grande Viagem da Sua Vida, nova produção estrelada por Margot Robbie e Colin Farrell, que parece extraordinariamente fora de lugar entre os grandes lançamentos do cinema em 2025. Nem o sucesso de Helm quase duas décadas atrás, afinal, durou muito tempo: seu filme seguinte, A Loja Mágica de Brinquedos (2007), se provou simplista demais para o público adulto, e complexo demais para o público infantil, decepcionando em todas as frentes. Desde então, o roteirista se retirou para o teatro, trabalhando em alguns projetos nunca produzidos em Hollywood, e coassinando o roteiro do thriller erótico Águas Profundas (outro fiasco).
É claro que esse deslocamento poderia se mostrar parte do charme de A Grande Viagem da Sua Vida — não é segredo nenhum que uma grande fatia do público cinéfilo está desgostoso com o estado dos multiplexes dominados por franquias há muito desgastadas, legacy sequels e remakes. Um drama romântico adulto, com um toque caprichoso de fantasia, protagonizado por dois bons atores e dirigido por um artista elegante como Kogonada (Columbus) parece uma boa proposta… mas a que custo?
A Grande Viagem de Sua Vida é obra de Seth Reiss (O Menu), um roteirista que aqui demonstra ter mais talento para a sátira do que para o drama. A história acompanha David (Farrell) e Sarah (Robbie), que se conhecem em um casamento e são levados à tal viagem do título pelo GPS de um carro mágico, que os guia a várias portas representando diferentes fases de suas vidas — o ensino médio de David, onde ele estrelou um musical escolar e teve o coração quebrado por uma garota; o fim da adolescência de Sarah, quando a mãe solteira que a criou faleceu em um hospital, e ela própria não teve coragem de visitá-la; e por aí vai.
A ideia é que os dois se conheçam profundamente em tempo recorde e se apaixonem, apesar das reservas de cada um sobre começar um novo relacionamento. E essa turnê mundial de traumas de juventude que os dois fazem juntos, para o crédito do filme, é encenada sem economia de recursos. Kogonada recruta o seu parceiro habitual de fotografia, Benjamin Loeb, e uma nova designer de produção, Katie Byron (Não se Preocupe, Querida), para misturar a linguagem do seu cinema cartão-postal classudo com uma teatralidade mais aflorada.
Tão fascinado por arquitetura (e pela geometria mais inexata da natureza) quanto os filmes anteriores do cineasta, A Grande Viagem de Sua Vida também lança mão de cenários abertamente artificiais — em uma sequência, Farrell e Robbie interagem em um palco vazio, como numa peça minimalista de Jamie Lloyd — para vender seus voos de fantasia. Num nível puramente estético, até que funciona, mas o filme ser tão bem resolvido visualmente não apaga o quanto o seu misticismo está a serviço de uma história dura, que encontra algum grão de verdade tarde demais para o próprio bem.
A saber, A Grande Viagem da Sua Vida acaba se mostrando um romance sobre a coragem necessária para assumir um romance. É também, e até com alguma penetrância, um drama sobre desapegar da definição fantasiosa de felicidade que construímos na nossa cabeça, e entender como ser e estar com o que já somos e onde já estamos. Não é uma mensagem sem seu mérito, mas ela se perde diante de um mar de excentricidades que o desconectam de si mesmo, e de uma dupla principal que, apesar de talentosa, não encontra em seus personagens o material correto para se encaixar como casal em cena.
Por toda sua efemeridade como fenômeno hollywoodiano, Zach Helm escrevia histórias que usavam a fantasia para chegar no lugar que precisavam chegar. A Grande Viagem da Sua Vida utiliza o místico não como atalho discursivo, mas como desvio na estrada. É um filme todo feito de tangentes, e inexplicavelmente devoto a elas.
A Grande Viagem da Sua Vida
A Big Bold Beautiful Journey
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