Adaptação de A Empregada perde essência ao se importar demais com o espetáculo
Paul Feig erra ao fugir do simples que fez livro se tornar um fenômeno
O nome de Paul Feig para ser o diretor escolhido para levar a história de A Empregada para as telonas não foi à toa. Famoso por explorar narrativas femininas no cinema, o cineasta tem entre seus principais acertos produções voltadas para comédias - com exceção de Um Pequeno Favor, um suspense sedutor cujo sucesso foi tanto que ganhou uma continuação anos depois. Este acerto, inclusive, é o que parece ter sido o espelho de Feig para idealizar a sua visão do livro de Freida McFadden, um best-seller que virou fenômeno mundial por ser um thriller cheio de reviravoltas.
O problema é que Feig parece ter visto na adaptação do livro de McFadden uma oportunidade de fazer uma espécie de Um Pequeno Favor 3 espiritual. Afinal, a trama tem romance, tem suspense, tem mortes misteriosas e uma boa dose de empoderamento feminino. Mas o diretor parece se esquecer que A Empregada triunfa nas sutilezas, nas pistas não ditas e deixadas em pílulas pela autora para fazer com que o leitor devore sua obra com uma fome abissal. McFadden desenvolve a jornada das protagonistas Millie e Nina com a confiança de quem sabe do poder de sua história, e a pressa com que Feig tenta chegar ao ápice da trama- e as mudanças que faz nela - quase coloca tudo a perder.
A trama base de livro e filme é praticamente a mesma. A jovem Millie (Sydney Sweeney) é contratada pela dondoca Nina Winchester (Amanda Seyfried) para ser sua nova empregada. À primeira vista ela é a patroa dos sonhos, mas Millie logo percebe que sua chefe não é quem parecia ser, e sua vida vira um verdadeiro inferno. Seu único conforto vem de Andrew (Brandon Sklenar), marido de Nina e único que aparenta ser “normal” na casa dos Winchester. Entregar mais do que isso é dar spoilers do livro, mas basta esta breve sinopse para entender que a história de Freida McFadden tem mais camadas do que sempre aparentou ter.
A derrocada da versão de Feig começa quando o próprio diretor parece não entender que, no livro original, o segredo está no simples. McFadden toma seu tempo para criar um cenário onde Millie parece chegar ao seu limite em sua vida como empregada dos Winchesters, e a construção de Nina em uma versão de Dr. Hyde e o Monstro do subúrbio norte-americano é parte essencial tanto da jornada de Millie quanto da de Andrew. Contudo, o diretor parece não ter confiança nas reviravoltas de A Emprega. Ciente de ter escalado dois dos maiores sex symbols de Hollywood atualmente, Feig não resiste em investir no sexo e usa os corpos nus de seus atores para justificar uma atração que deveria ser natural, e não apenas com base no carnal.
A “pressa” em resolver a questão do triângulo amoroso parece justificada apenas pelo espetáculo do tesão, como se o espectador só estivesse no cinema para ver dois belos atores se tocando sem as roupas. Com isso, alguns dos acontecimentos do livro importantes para o conflito entre Millie e Nina são deixados de lado. Este erro fica evidente porque, uma vez que este triângulo é oficializado, a primeira grande reviravolta acontece e tudo fica em segundo plano.
O segundo e maior problema desta aposta no espetáculo é escancarado no terceiro ato da adaptação. Feig parece realmente não acreditar na força do suspense de A Empregada, que no livro não necessita de ação alguma para deixar o leitor sem ar. A opção escolhida pelo diretor é de recriar todo o clímax das histórias de Millie e Nina, e a potência do thriller criado por McFadden dá lugar a uma sequência de perseguição insossa e que parece retirada de uma novela mexicana de qualidade questionável.
Na aparente tentativa de fortalecer as narrativas femininas na história de A Empregada, Feig esgana a história original e diminui a força do que poderia ser um ótimo thriller. Quem mais paga o preço por esses equívocos é Enzo (Michelle Morrone) - se no livro o jardineiro já servia apenas como apoio moral das protagonistas, no filme nem para isso serve. A sorte de todos é que a força das reviravoltas de A Empregada é grande o bastante para não estragar a experiência por completo, mas fica a esperança de que Paul Feig nunca tenha o desejo de continuar com a franquia nos cinemas.