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Entrevista

Cisne Negro | Omelete entrevista Darren Aronofsky e Natalie Portman

Diretor e atriz falam sobre o filme que pode dar a ela o seu primeiro Oscar

01.02.2011, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H15

O suspense Cisne Negro (Black Swan), que já deu o Globo de Ouro e o SAG a Natalie Portman, pode lhe render no dia 27 o seu primeiro Oscar. Além de melhor atriz, o longa concorre em mais quatro categorias - filme, montagem, direção e fotografia. Portman e o diretor Darren Aronofsky falaram com os nossos parceiros do Collider sobre a parceria, o mundo do balé e a expectativa pelo prêmio.

Darren, você poderia falar sobre quando conheceu Natalie Portman para esse filme, há 10 anos?

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Darren Aronofsky: Eu sou fã do trabalho da Natalie desde que a vi em O Profissional. Luc Besson é um dos meus diretores favoritos. Acabou que o empresário dela é um amigo meu da faculdade, então eu consegui contato com mais facilidade. Nos encontramos na Times Square, no antigo hotel Howard Johnson, que agora é uma loja de roupas. Isso mostra pra onde os Estados Unidos estão indo. Nós tomamos uma xícara de café péssima e conversamos sobre algumas ideias que eu tinha para o filme. Ela diz que eu tinha o filme todo na minha mente, o que é mentira.

Natalie Portman: Não, o que ele descreveu para mim já estava bem perto.

DA: Nós conversamos um pouco sobre o filme e eu comecei a desenvolvê-lo, mas foi bem difícil, pois adentrar no mundo do balé se provou bem desafiador. Na maioria das vezes, quando você faz um filme, você diz "ei, eu quero fazer um filme sobre o seu mundo", todas as portas se abrem e você pode fazer tudo o que quiser, ver tudo o que quiser. O mundo do balé não estava nem um pouco interessado em nos receber, então levamos um bom tempo para conseguir as informações e montar tudo. Ao passar dos anos, Natalie dizia "eu estou ficando muito velha para interpretar uma dançarina, é melhor você se apressar". Eu respondia "Natalie, você está ótima. Vai dar tudo certo". Aí, mais ou menos um ano antes das filmagens, eu finalmente consegui terminar o roteiro. Foi assim que tudo começou.

Natalie, por que esse foi um papel dos sonhos para você?

NP: Bem, eu dancei quando era mais nova, até mais ou menos meus 12 anos, e sempre idealizei a dança, assim como a maioria das meninas mais novas, como uma das formas de arte mais bonitas. É uma expressão sem palavras. Eu sempre quis fazer um filme relacionado à dança, então quando Darren teve essa incrível ideia que não era somente relacionada ao mundo da dança, mas também tinha essa personagem complicada - ou duas personagens -, participar disso foi uma ótima oportunidade, especialmente com Darren, que é um diretor com quem eu faria qualquer coisa. Isso me deixou muito animada.

Darren, como foi abordar essa história do ponto de vista feminino, ao contrário de O Lutador, que foi bem masculino?

DA: Eu não acho que haja tanta diferença. Eu não faço muito caso disso. Eu acho que pessoas são pessoas e, se seus sentimentos são reais, elas podem se identificar. Não importa se você é um lutador de 50 e tantos anos que já está no final da carreira, ou uma ambiciosa dançarina de balé de 20 e poucos anos. Se eles acreditam naquilo que eles são e seus sentimentos são reais, então a audiência vai se identificar. Essa sempre foi a premissa do cinema. É por isso que podemos ver um filme sobre uma garotinha de sete anos no Irã ou um super-herói imortal nos EUA. Não importa, contanto que sejam verdadeiros.

Você é um diretor manipulativo como o diretor de balé no filme?

DA: Eu queria ser tão manipulativo como Thomas Leroy é no filme. Eu sou muito direto, já assustei muitos atores de primeira linha. Natalie Portman foi a única atriz top com quem eu trabalhei na minha carreira. Todos os outros falavam "você quer que eu faça o quê? Por quanto tempo? Por quanto dinheiro?" e eles iam embora. Eu perdi muitas estrelas de cinema ao longo do caminho. Eu acho que um diretor mais manipulativo falaria "Ah, não vai ser tão difícil. Venha e vamos nos divertir". Eu acho que é assim que guerras começam. Eles falam "você me disse que ia ter sushi no set todos os dias!". Eu sou bem direto e honesto.

Natalie, como você abordou sua transformação para esse papel?

NP: Foi um desafio muito grande e eu tive um ótimo apoio. Comecei com minha treinadora de balé um ano antes das filmagens, partimos do básico. Nós treinávamos duas horas por dia pelos primeiros seis meses e isso foi uma ótima preparação para que eu fizesse mais, assim eu não me machucaria. Depois dos seis meses nós começamos a fazer cinco horas por dia. Adicionamos natação, eu nadava 1,6 Km por dia, tonificação e depois fazíamos três horas de aula de balé por dia. Aí, dois meses antes das filmagens, nós adicionamos a coreografia, então fazíamos por volta de oito horas por dia. A disciplina física ajudou muito na parte emocional da personagem, pois você tem um sentimento do estilo de vida monástico de só malhar, essa é a vida de uma dançarina de balé. Você não bebe, não sai com amigos, não come muito e submete seu corpo à dor extrema, então você acaba entendendo a auto-flagelação de uma dançarina de balé.

Você treinou separadamente para o Cisne Branco e para o Cisne Negro?

NP: As coreografias eram diferentes para o Cisne Negro e para o Cisne Branco. Eu tive uma treinadora incrível, Georgina Parkinson, que faleceu duas semanas antes de começarmos as filmagens. Ela foi a primeira treinadora para O Lago dos Cisnes para [as personagens] Odile/Odette. Ela trabalhou bem especificamente comigo em tudo, desde as pontas dos dedos até onde você põe os olhos nos diferentes movimentos, que é a atuação no balé. Existem pequenos gestos que fazem uma imensa diferença entre as duas personagens.

Qual foi a primeira refeição que você fez depois de ter acabado de filmar, algo que não podia comer enquanto filmava?

NP: Minha primeira refeição foi macarrão, no café da manhã, almoço e janta. Eu comia o tempo todo.

DA: O que é engraçado sobre isso é que este foi um filme bem difícil de se fazer. Não tínhamos muito dinheiro e tivemos que atrasá-lo algumas vezes. Eu não me importo muito em atrasar um filme porque me dá mais duas ou três semanas para me recompor, mas eu descobri recentemente que a Natalie gritava com o empresário dela por ter que viver de cenouras e amêndoas por mais três semanas. Foi ela que sofreu por não poder comer.

Os Sapatinhos Vermelhos, o clássico sobre balé de Michael Powell, influenciou você e suas escolhas?

DA: Eu já tinha ouvido falar em Os Sapatinhos Vermelhos, mas eu nunca tinha visto. Aí o [Martin] Scorsese fez a restauração há alguns anos e eu pensei "quer saber? Eu tenho que ir ver esse filme". É uma obra-prima. É um filme inacreditável. E eu vi que haviam semelhanças na história, mas eu acho que é porque nós dois fomos até o balé e pegamos coisas de lá para as diferentes personagens, então acabamos em lugares semelhantes. Mas eu não fui muito influenciado por ele. As sequências de dança estavam muito além de seu tempo. Eu o mantive no fundo da minha mente. Faz muito tempo.

Natalie, como foi usar as sapatilhas com ponteira?

NP: Sapatilhas com ponteira são aparelhos de tortura. Bailarinas se acostumam com elas, então acho que foi mesmo um caso de ser uma nova experiência para mim, mas elas são bem medievais.

Ter estudado psicologia em Harvard te ajudou no papel?

NP: Esse foi um dos raros casos onde eu consegui aplicar na vida real algo que aprendi na escola. Foi um caso absoluto de comportamento obsessivo-compulsivo. A coceira, a anorexia e a bulimia são casos de TOC. Balé acaba sendo propício para esses transtornos por ter um senso de ritual, com o embrulhar das sapatilhas todos os dias e a preparação de novas sapatilhas para toda nova performance. É um grande processo. É quase religioso, e o diretor [da companhia] é como um Deus. É realmente uma arte devocional, ritualística, religiosa, na qual você consegue se relacionar como ator, pois quando você faz um filme, você se submete ao seu diretor. Seu diretor é tudo e você é devoto dele, pois quer ajudá-lo a criar sua visão.

Natalie, como você acha um equilíbrio quando mergulha em um papel e como você se remove dele quando termina?

NP: Assim que eu termino uma cena, volto a ser eu mesma. Assim que eu termino de filmar, eu quero ser eu mesma novamente. Não sou uma pessoa que gosta de ficar no personagem. Darren e eu nos conectamos bem, meio como uma telepatia, durante as filmagens porque acho ele tão disciplinado, focado e alerta quanto se pode ser, e é assim que eu tento ser. Eu não sou perfeccionista, mas eu gosto de disciplina. Eu sou obediente. Eu acho importante dar o seu melhor e ser o mais gentil possível com todos que trabalham com você. A meta, todos os dias, é manter o foco nisso.

DA: Eu já lidei com alguns atores que utilizavam o método de permanecer no papel e eu acho que é bobagem. É cinema... Você só tem que estar no personagem quando a câmera está funcionando. Claro, se é uma cena intensa, você pode até querer manter aquela energia entre tomadas, enquanto a equipe se arruma. Mas quando é "Corta!", é "Corta!". Até mesmo quando é "Ação!" e tem uma câmera, todas aquelas luzes e um monte de gente se mexendo à sua volta, é impossível acreditar completamente que aquilo não é um faz-de-conta. Eu não sei. O que funcionar, funcionou. Não quero afastar atores que preferem ficar no personagem, mas a verdade é que realmente é um saco atores que ficam no personagem. É tipo: "Vamos lá! O que você está fazendo? Não é real! Ah, então você realmente está chateado? Vá para o seu trailer. Te vejo em uma hora".

Como foi trabalhar com Barbara Hershey interpretando sua mãe?

NP: Darren fez uma coisa maravilhosa em que ele pediu que Barbara escrevesse cartas para mim, já no personagem, de Erica para Nina, na primeira parte das filmagens. Ele me entregava as cartas em dias importantes de filmagem, assim eu poderia conhecer mais minha mãe. Barbara escreveu cartas realmente lindas como Erica e que conseguiam realmente mostrar nossa história, nosso amor e nossa conexão.

DA: E eu nunca lia as cartas. Eu achava que tinha que ser uma coisa somente entre as duas.

Darren, como você desenvolveu seu estilo para este filme?

DA: Eu acho que tudo é mais sobre a história que queremos contar. Todo o negócio de ter uma abordagem com a câmera sem apoio - ela fica na mão, como utilizamos em O Lutador -, trazer isso para um filme sobre balé era um grande risco, pois eu nunca tinha visto um filme de suspense com esse tipo de abordagem e não sabia se ia funcionar. Eu estava preocupado que, durante uma cena de medo, as pessoas pudessem se perguntar porque a Natalie não pedia ajuda ao cameraman... Mas aí decidimos tentar. Nunca havia sido feito antes e eu realmente gostei de ter uma pessoa segurando a câmera, assim eu pude movê-la de algumas maneiras que não seriam capazes de outra maneira. O resultado disso foi que o primeiro terço do filme passa uma sensação bem diferente do que o resto, pois tem um toque bem realista, que é bem legal. Isso faz as pessoas pensarem que estão assistindo a um tipo de filme bem diferente, que não vai assustar do jeito que assusta, e ainda assim passa uma urgência de estar no momento e estar nesse outro mundo. No geral, acaba parecendo mesmo um documentário no começo, antes de assustar. Funcionou para nós.

Você pode falar um pouco sobre o jogo com os gêneros no filme?

DA: Eu não sou muito um cara de gêneros. Essa foi minha melhor tentativa de fazer um filme de gênero. Eu simplesmente não consigo fazer isso. Eu acho que isso não é mais necessário hoje em dia, fazer um filme com um gênero bem específico. O público está mais sofisticado. Contanto que seja divertido e interessante, está tudo bem. Era isso que eu estava tentando fazer. Nós fomos na direção de manter todos animados, presos à trama, e é memorável, para que você converse sobre isso com outras pessoas.

Como você acha que as dançarinas de balé vão responder a essa representação da arte?

DA: Eu acho que muitos dançarinos vão ficar imensamente aliviados que finalmente existe um filme sobre balé que leva o próprio balé a sério, e não como um lugar para se ter um caso. Se você realmente olhar para as obras de balé - como A Bela Adormecida, Romeu e Julieta e O Lago dos Cisnes - são incrivelmente sombrias, góticas. Esse filme poderia ter se chamado O Lago dos Cisnes. Nós tiramos o conto de fadas e o balé do Lago dos Cisnes e transformamos aqueles personagens em personagens da nossa história. Na realidade, é uma recontagem de O Lago dos Cisnes. Definitivamente mostra o desafio, o drama e a realidade do quão difícil é ser uma dançarina de balé, mas eu acho que também representa a beleza da arte e a transcendência que é possível dentro da arte, tudo dentro da narrativa de O Lago dos Cisnes. Sempre haverá pessoas que não vão gostar, mas a maioria dos dançarinos com quem conversamos sobre isso disse: "Finalmente vamos ter um filme sobre balé!".

Natalie, como você se sente com a expectativa do Oscar para o filme e para sua performance?

NP: A melhor coisa que você pode esperar quando faz um filme e coloca sua alma no projeto como nós fizemos é que as pessoas tenham uma boa impressão. O fato de o público sair do filme comovido, animado, entretido e estimulado é extremamente lisonjeiro. É uma grande honra.

Cisne Negro estreia no Brasil na próxima sexta-feira.

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