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Marvel faz de Capitão América 4 uma bandeira branca para alguns fãs

Ao esvaziar os temas do filme, estúdio mostra que os personagens agora servem ao momento e não necessariamente à história

Omelete
5 min de leitura
14.02.2025, às 18H06.
Atualizada em 14.02.2025, ÀS 19H17

É difícil pensar em um filme recente da Marvel que não tenha passado por problemas de bastidores. As Marvels teve reportagens sobre o caos das refilmagens e ausência de direção, Doutor Estranho 2 mudou diretor no meio do projeto, Pantera Negra 2 lidou com a perda de Chadwick Boseman e Viúva Negra, bem, esse saiu na pandemia. O mais problemático, porém, é sem dúvidas Capitão América: Admirável Mundo Novo, que estreou nos cinemas essa semana.

Antes chamado de “Nova Ordem Mundial”, o longa não só passou por mudanças de roteiro, como uma série de adiamentos e, por fim, uma infinidade de refilmagens que remodelaram por completo o longa dirigido por Julius Onah. Ao assistir o filme, no entanto, fica evidente que o maior desafio que o Marvel Studios teve foi na remodelação do projeto, que conceitualmente era sobre um mundo à beira da guerra, com um líder que flertava com o fascismo enfrentando um herói, ainda que questionado, disposto a mostrar o seu valor aos que lhe deram o escudo.

O MCU moldou essa história muito antes de Admirável Mundo Novo chegar às telas. Do momento em que Steve Rogers dá à Sam Wilson o escudo em Vingadores Ultimato até a série Falcão e o Soldado Invernal, todo o universo da Marvel estava desenhando um Capitão que seria questionado por tudo e todos, mas que teria na humanidade e na irregularidade de um líder em formação, o ponto de empatia para se conectar com o público. Sam já passou, no MCU, por histórias que questionavam o governo americano e mundial sobre o controle de armas de destruição em massa - em Soldado Invernal -, as missões dos heróis - em Guerra Civil - e a demarcação de fronteiras e crise de refugiados - em Falcão e o Soldado Invernal. A temática racial não era só lógica, como um ponto da história que tornava a jornada de Wilson mais complexa, já que Isaiah Bradley e outros personagens começaram a falar da relação do governo com os experimentos no exército. 

Quatro anos depois da estreia da série, não parece que a Marvel esteja interessada neste tema. Ao menos não da mesma forma - a começar pela mudança do título, que teria uma implicação política mais forte e, talvez, mais combativa. O “Admirável” do nome é uma como se fosse uma bandeira branca do estúdio, que visivelmente não quer entrar num embate político com o atual presidente ou com o eleitorado que via as obras da Disney como algo progressista. Não à toa, os personagens que antes eram símbolos de combate ao status quo e que lutavam pela sociedade, agora, literalmente estão do lado dos poderosos - mas em uma luta que “é pelo bem de todos”. 

É uma guinada clara no discurso do estúdio (e das histórias que são contadas), mas que ficam latentes devido ao teor político do filme. Dificilmente Thunderbolts, Quarteto Fantástico ou os novos Vingadores serão assim - até porque nenhum dos outros tinha uma temática como essa. Por outro lado, ao olhar a estética e a narrativa de Admirável Mundo Novo, dá pra notar como a Marvel voltou no tempo para simplificar o roteiro, tal qual fazia nas Fases 1 e 2, quando o que realmente importava era o herói e o vilão. No novo filme, só Sam e Ross importam, o restante parecem orbitar por ali sem muita importância para a história.

Thor era sobre ele e Loki, Homem de Ferro nunca se importou com os vilões, Capitão era sobre Caveira e Bucky, Homem Formiga era sobre ele e mais ninguém. A Marvel sempre se importou mais com seus heróis no cinema do que com o resto, e foi isso que fez o maior de todos os vilões ser Thanos, o único que precisou deles todos juntos para um enfrentamento real e com consequências. 

Guardadas as devidas proporções, é como se Capitão 4 voltasse a essa premissa. As cenas de ação são moldadas exclusivamente para que o boneco de Sam seja o mais atrativo possível (e de fato as cenas de voo são ótimas), assim como o Hulk Vermelho seja ameaçador, mas carismático ao mesmo tempo, pois não é a hora nem o momento de vilanizar um presidente. Essa simplificação da história deixa o filme muito próximo do que a Marvel já foi, inclusive, quando teve que refilmar e mudar longas como Thor, Homem de Ferro 3, Thor 2 e outros. Se engana quem pensa que o estúdio sempre viveu de roteiros prontos antes das filmagens, isso sempre foi exceção.

Se por um lado a diversão focada no herói deixa o filme mais leve e menos sisudo, o descompromisso com o que Sam Wilson e o próprio Capitão representam esvaziam, o que faz uma história da Marvel ser única. É mais do que compreensível a Disney decidir por mudar o rumo de seus produtos, afinal, o mercado manda muito mais nas coisas do que o público (por mais que os fãs acreditem que não). Um fato, porém, é que os melhores filmes da Marvel, como Soldado Invernal, Pantera Negra e Guerra Infinita, sempre foram sobre isso: o entretenimento aliado ao tema dos heróis. Foi assim desde os quadrinhos. Capitão América 4 tenta fazer algo que não comprometa os personagens e a empresa, mas esquece que se dizer isento não o faz ficar fora do debate.

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