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Por que o Framboesa de Ouro é uma piada que perdeu a graça

Premiação dos piores poderia fazer Hollywood rir de si mesma, mas prefere ser uma lista de alvos fáceis

22.01.2018, às 17H49.
Atualizada em 21.01.2019, ÀS 08H39

Fundado em março de 1981 por John J. B. Wilson e Mo Murphy, o Framboesa de Ouro (também conhecido como Golden Raspberry Awards ou Razzie Awards) faz parte do pacote da temporada de premiações. Enquanto o Oscar diz premiar os melhores da indústria cinematográfica de Hollywood, o Razzie destaca os piores, supostamente denunciando a podridão que permeia todo aquele glamour. 

Golden Raspberry Award Foundation/Reprodução

Ano após ano, porém, a piada foi perdendo o mérito e a brincadeira começou a ser alvo de diversas críticas, a começar pelo fato de que a premiação sempre opta por alvos fáceis. Assim, Batman Vs Superman, um filme que dividiu público e crítica, foi um dos grandes “vencedores” do ano passado (saiba mais) e Mãe!, o controverso filme de Darren Aronofsky, aparece em diversas categorias em 2018. Querer a atenção da mídia com títulos polêmicos não chega a ser um problema, mas a forma como o Framboesa de Ouro conduz a sua zoeira mostra como essa é uma oportunidade desperdiçada de não se levar a sério. 

Um filme não precisa seguir uma lista de movimentos obrigatórios e nem está a disputar uma corrida. Logo, não pode ser declarado vencedor ou perdedor porque seu valor é determinado essencialmente pelo gosto alheio, ainda que siga técnicas cinematográficas predeterminadas. Na temporada de estatuetas, porém, é inútil entrar na discussão da futilidade de declarar uma obra de arte como melhor ou pior. Se o Oscar vai premiar o Melhor Filme, o Melhor Diretor, etc., nada mais justo do que o Razzie trabalhar com o exato oposto. Mas enquanto o primeiro ainda luta para manter a sua relevância e continua a apresentar uma seleção variada de filmes para o mundo (mesmo que não os premie diretamente), o segundo se contenta em ser um atestado de mediocridade, sem encontrar valor (ou graça) nos defeitos dos seus indicados.

Cinquenta Tons Mais Escuros, por exemplo, é um dos campeões de indicações de 2018, mas a sua graça vai muito além da constatação de que Jamie Dornan e Dakota Johnson têm péssimas atuações. Quando se assume que o ridículo faz parte da narrativa, o filme ganha outros contornos. Os diálogos eróticos sem timing se somam às situações dramáticas risíveis e criam uma farsa completa. Ou seja, limitar o filme a pior isso ou pior aquilo é perder a piada. O mais longe que o prêmio chega é na indicação de Pior Combo na Tela - Qualquer combinação de dois personagens, dois brinquedos sexuais ou duas posições sexuais em Cinquenta Tons Mais Escuros -, mas é possível ir além em uma análise simples do filme, como faz muito bem o Honest Trailer do canal Screen Junkies.

Um filme considerado ruim sempre pode fazer a curva e mostrar o seu propósito dentro da sétima arte, assim como um longa pode não agradar muitas pessoas, como Mãe! e Batman Vs Superman, e encontrar espaço no coração de tantas outras. É uma questão de gosto pessoal e referências, de expectativa e momento. E mesmo quem gosta e defende um filme pode rir em sua defesa. É o debate que mantém o filme vivo, não a sua categorização.

Transformers: O Último Cavaleiro, outro campeão de indicações em 2018, pode não ter elementos para agradar a crítica tradicional, mas faturou alto nos mercados fora dos EUA, o que mostra seu apelo com o público. Seja pelos seus exageros, pelo seu descompromisso com a lógica, ou simplesmente pela capacidade explosiva de Michael Bay para as cenas de ação, Transformers ainda agrada muita gente. Tachá-lo como pior qualquer coisa mais uma vez (a franquia é campeã de indicações no Razzie) é levá-lo muito a sério e perder o remate da piada, o que não significa necessariamente desprezar o conteúdo. O Choque de Cultura, por exemplo, exalta muito bem as glórias da franquia, tornando-a parte do universo dos seus personagens. Ali, Transformers vira motivo legítimo de lágrimas e desbanca qualquer “socão” na história do cinema.

Senso de humor é uma ferramenta essencial de equilíbrio e a indústria cinematográfica de Hollywood precisa ser questionada, principalmente agora, quando mitos caíram e a verdade sobre questões como assédio e desigualdade de gênero começou a ser debatida publicamente. O Framboesa de Ouro poderia ser um “Roast” dessa indústria (a homenagem feita com insultos pontuais), satirizando as suas produções, mas atualmente se contenta em ser uma lista preguiçosa. Quando ganha algum destaque, é por conta de alguns poucos bem-humorados e bem resolvidos - como Halle Berry, Sandra Bullock ou Paul Verhoeven - que apareceram para pegar pegar os seus prêmios.

Em tempos de memes, canais no YouTube e redes sociais variadas, a piada protocolar do Framboesa de Ouro ficou datada. Faz parte do calendário, mas é irrelevante. Vale muito mais apenas ver o Oscar e esperar, comendo pipoca, por novas gafes, reviravoltas e emoções.

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