Pouco depois de estrear na dublagem com Encanto, em 2021, Filipe Bragança teve a oportunidade de criar a voz do original do protagonista da animação brasileira Abá e Sua Banda, que passou pelos cinemas brasileiros em abril. Na história, Abá é um jovem príncipe que sonha em ser músico em vez de subir ao trono.
Em entrevista ao Omelete, Filipe contou que a ideia de realeza e a vibe descolada do protagonista o fizeram tirar inspiração no Kuzco, de A Nova Onda do Imperador, e no Flik, de Vida de Inseto, para criar sua voz. “Acho que [Vida de Inseto] é uma referência narrativa pro Abá, porque é um filme bem político também”, descreveu o ator.
Segundo ele, Abá e Sua Banda tem uma mensagem política e ambiental muito forte. “O vilão do filme é um fascista que está dando um golpe de estado. Se você for falar o contrário, não consigo te defender”, declarou. “Eu acho que é um filme que traz reflexão, e faz isso de uma maneira lúdica, fantasiosa, divertida e leve, mas trazendo questões importantes.”
Apesar de ter tido mais liberdade para dar voz a Abá e Sua Banda, Filipe contou que a experiência anterior com Encanto não foi tão burocrática quanto ele esperava e que chegou a mudar um trecho de seu personagem na versão brasileira de “Não Falamos do Bruno” na época. “A gente deu a opção de 'Isabela, seu boy chegou' e a opção que estava proposta, e no final rolou. Então, assim, é burocrático, mas nem tanto. A gente pode brincar também”, explicou ele.
Confira a entrevista completa com Filipe Bragança abaixo:
OMELETE: Como foi o seu primeiro contato com Abá e Sua Banda? Como chegou o convite para você participar e o que você achou de primeira assim da história?
Filipe: Cara, eu fiquei muito empolgado, porque eu amo animação. E eu acho que o nosso país tem muito potencial para fazer boas animações. Acho que a gente tem excelentes profissionais. Gente muito competente, gente muito criativa, capaz de criar algo autêntico e divertido. E acho que o Abá e sua Banda é um filme que tem tudo isso. Mas é um processo naturalmente muito demorado. Esse filme chegou para mim, eu acho que foi pré-pandemia, na verdade. E aí a gente gravou as vozes durante a pandemia, em 2021. E aí passa muito tempo para finalizar o filme. Animação é algo complexo. E o resultado tá lindo, tem muito cuidado e capricho mesmo, especialmente do Humberto Avelar, nosso diretor.
Omelete: Antes de Abá e Sua Banda, você tinha dublado Encanto. Eu imagino que há uma diferença, não só porque você tinha liberdade para criar em Abá, mas porque Encanto, como é da Disney, deve ser muito burocrático, né? Como você compara essas duas experiências, de dublar o personagem que já existe e agora criar a voz?
Filipe: Na prática, tem algumas limitações. A gente tem uma voz original que tem que ser seguida e não é nem exatamente na entonação, é no tempo. Na dublagem, você tem um tempo exato, você tem que bater aquela fala naquele tempo. Mas não é tão burocrático quanto eu imaginava. Por exemplo, no Encanto, tem um momento de uma música, que eu lembro que a galera fez meme e tal, que eu falo: "Isabela, seu boy chegou". E isso fui eu e o outro diretor de dublagem que estava no estúdio comigo, não era isso que estava escrito na tradução da música. Eu não me lembro exatamente o que era, mas o tempo não batia direito com a música, com a melodia. E aí a gente ficou pensando e saiu isso. A gente deu essa opção e deu a opção do que estava proposto. E a gente colocou isso e rolou, sabe? Então assim, é burocrático, mas nem tanto. A gente pode brincar também. E tem que brincar, porque, pô, você tá fazendo um filme de desenho. Se não for para brincar e para ser divertido, para criar, para que a gente tá fazendo?
Omelete: E você é muito fã de animação. Quando você foi criar a voz original do Abá agora, você teve alguma inspiração? Você buscou alguma voz para achar sua referência? Como foi esse processo de encontrar a voz do Abá?
Filipe: Cara, eu pensei um pouco naquela coisa descolada do Kuzco, do Selton Mello. O Abá é totalmente diferente, mas ele é um príncipe, filho do rei. Ele é descolado. Então eu pensei um pouco no Kuzco, que eu amo, acho que é um filme muito subestimado, inclusive. E tem o Flik de Vida de Inseto também. Que eu acho que tem uma pureza e uma ingenuidade, assim, que tem no Abá também. E eu acho também que é um filme bem referência narrativa pro Abá, porque é um filme bem político.
Omelete: E Abá também tem isso, né? Tem uma ligação com o mundo político atual muito forte. Você mesmo já falou em entrevista sobre esse líder político que quer tirar a diversidade do povo e que vai dar o golpe de estado. Como você vê a importância desse lançamento agora?
Filipe: Acho que um filme de animação, que é infanto-juvenil, como o caso do Abá, pode comunicar e pode entreter tanto crianças, como adultos, porque os adultos necessariamente vão assistir esse filme também junto com os filhos, né? Eu acho que é um filme que traz algum tipo de reflexão, e faz isso de uma maneira lúdica, fantasiosa, divertida e leve, mas traz questões importantes. Acho que é um filme que tem o potencial para plantar sementinhas nas cabeças e no emocional das crianças, de uma maneira que isso possa trazer uma reflexão inconsciente e que talvez no futuro essas reflexões se tornem mais claras.
Omelete: E qual é a mensagem de Abá e Sua Banda?
Filipe: O vilão do filme é um fascista que está dando um golpe de estado. Se você for falar o contrário, não consigo te defender. E tem também a questão ambiental, que eu acho que é uma mensagem essencial para as crianças hoje em dia. Porque é a próxima geração que, se não crescer pensando nisso, a gente não tem salvação. Acho que o filme tem muito esse mérito de trazer várias questões.
Omelete: Este é um filme que também traz uma brasilidade muito forte. Nas frutas tropicais, no design, em detalhes do diálogo e do roteiro. É uma animação muito brasileira. E isso é muito especial neste momento que estamos vivendo do cinema nacional. Como você vê esse lançamento agora?
Filipe: O cinema nacional sempre existiu com toda a potência que a gente tá vendo agora, o que a gente precisa é do investimento e da distribuição devida, porque não adianta a gente competir com os grandes filmes, sejam eles live-actions ou animações, porque a distribuição precisa mostrar esses filmes. Precisa estar nos cinemas. As pessoas precisam saber que o filme existe, principalmente. Muitas vezes o grande problema é esse. Mas eu acho que, depois da vitória e da trajetória de Ainda Estou Aqui, e da nossa vitória no Oscar, eu acho que, sim, isso desperta um interesse maior do nosso público no nosso cinema. Acho que é muito cedo para saber se isso realmente vai influenciar e se vai mudar a maneira com que as pessoas consomem o cinema brasileiro. Mas eu digo que sempre estivemos aqui, o cinema brasileiro sempre esteve aqui.
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