Spring Breakers não é um filme particularmente inovador. Seu olhar despudorado sobre a juventude já marcava a carreira do diretor Harmony Korine há duas décadas, pelo menos desde que ele estreara como roteirista escrevendo para Larry Clark o drama Kids (1995), um dos últimos pregos no caixão da Geração X. Quando Spring Breakers saiu nos cinemas em 2013, a gramática do cinema de fluxo que Korine emula, com muita combinação de cross-cutting e narração em off no seu convite à experiência sensorial, também já tinha uns bons 15 anos na vanguarda do cinema de autor, juntando nomes diversos de Claire Denis a Abel Ferrara e Hou Hsiao-Hsien.
Ainda assim, Spring Breakers parece um acontecimento. É como se a sua habilidade de juntar estrelas do Disney Channel em torno de uma história de sexo, drogas e semiautomáticas fosse algo muito mais disruptivo do que tirar Kids do papel. Antecipar esse zeitgeist, entender o potencial de culto (de certa forma previsível) de um filme desse perfil, que obviamente ocuparia a mídia com sensacionalismo e potenciais reações indignadas durante o lançamento, foi o pulo do gato que fez a distribuidora A24 abrir seus trabalhos com o melhor dos prospectos no final de 2012, quando Spring Breakers estreou no Festival de Veneza.
Spring Breakers não foi o primeiro longa que a então nascente distribuidora adquiriu; quem detém esse título é a comédia As Loucuras de Charlie, cujos direitos americanos a A24 comprara em agosto daquele ano. O filme de Roman Coppola, porém, não cresceu no teste do tempo, e o mesmo se pode dizer do The Bling Ring da sua irmã Sofia, que tinha em comum com Spring Breakers a sugestão de tirar a inocência e passar à vida adulta, com uma história de banditismo, outra estrela-mirim do período, Emma Watson. A A24 lançou esses três filmes em 2013, mas na comparação os Coppolas empalidecem - mesmo porque o neon de Korine brilha muito mais intenso no efeito de bala de Spring Breakers.
A trajetória do longa já vinha da obrigatória rota dos festivais europeus: primeiro um clipe para atrair compradores no mercado de Cannes, depois a seleção para competir no Festival de Veneza (que Korine já conhecia desde que sua estreia como diretor, Gummo, fora lá exibido na Semana da Crítica em 1997). Foi entre Veneza e o Festival de Toronto em 2012 que Spring Breakers foi adquirido pela Annapurna Pictures para lançamento comercial nos EUA. À Annapurna sobrava munição; a produtora de Megan Ellison, herdeira da fortuna da Oracle, naquela época era vista como a mecenas que salvaria o cinema independente do país.
Annapurna e A24 oficializaram em novembro de 2012 uma parceria para lançar Spring Breakers no ano seguinte, antes do feriado da “semana do saco cheio” - o famoso recesso de primavera que dá título ao filme, quando, tradicionalmente, hordas de universitários americanos partem para celebrar na praia os últimos instantes de sua irresponsabilidade legal, antes de terminar a faculdade e ingressar no mercado de trabalho. Spring Breakers custou cerca de US$5 milhões (sem considerar o orçamento da divulgação) e arrecadou na bilheteria mundial seis vezes esse valor. Com US$14 milhões nos EUA e no Canadá, foi o melhor resultado da A24 no seu primeiro ano de atividades.
O impacto de Spring Breakers transcende, porém, as suas poucas semanas em cartaz. A atuação de James Franco como o gângster Alien rendeu a partir de memes uma campanha online para emplacar o ator na categoria de coadjuvante no Oscar - eram os primeiros passos da A24 como uma máquina de frisson na temporada de premiações, hoje muito bem azeitada em tempos de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. O relâmpago dentro do bong que a distribuidora vislumbrou com Spring Breakers se estende de ponta a ponta para potencializar a performance cultural e comercial do filme: primeiro com o impacto novidadeiro da sua premissa (Vanessa Hudgens e Selena Gomez de fato parecem emancipadas da “infância” de suas carreiras depois de terem atuado no filme), depois superestimando seu valor (James Franco não emplacou no Oscar, mas de qualquer forma o ator estava mais preocupado em 2013 em ser um astro de blockbusters da Disney à frente do Oz de Sam Raimi).
À parte os números e os bastidores, o fato é que Spring Breakers também prenuncia muito do que se vê em filmes de pretensões autorais dentro e fora da A24 desde então - principalmente em relação à metalinguagem e à cinefilia como uma forma de legitimação. Quando as quatro jovens usam Alien no feriadão para realizar sua fantasia de viver um Scarface próprio, e assim consumar seu sonho de sucesso americano, elas estão também em busca do reconhecimento da posteridade. “Vamos fazer como se a gente estivesse num filme”, diz uma delas, com a displicência calculada de quem não parece levar tão a sério assim toda a empreitada do sucesso. Depois de Spring Breakers, a A24 manteve esse lema da falsa despretensão junto ao peito, e hoje é uma das suas marcas para preservar o caráter cool da produtora.
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