"A Comédia Divina é um filme crítico à essa moralidade hipócrita da sociedade", diz diretor
Conversamos com Toni Venturi no Festival do Rio
Forças satânicas com um pezinho na prosa de Machado de Assis fizeram a promessa de levar o Festival do Rio 2017 às gargalhadas num pacto com o riso que será assinado no dia 11, às 19h15, no Estação NET Botafogo 1, durante a projeção de uma das produções brasileiras mais esperadas do ano: A Comédia Divina, de Toni Venturi.
Com base no conto A Igreja do Diabo, do Bruxo do Cosme Velho, o filme marca a entrada do aclamado documentarista paulista (de O Velho), conhecido ainda por dramas como Cabra Cega (2004), no humor. Murilo Rosa vive o Diabo, que, com o prestígio em queda, resolve fundar uma seita a fim de angariar fiéis. Uma jornalista (Mônica Iozzi) será sua interlocutora no processo com seu novo rebanho. Isso se Deus (Zezé Motta) deixar. Na entrevista a seguir, Venturi fala sobre a afinação do filmes com as crises simbólicas do Contemporâneo.
Omelete: Qual é o maior desafio de se representar o Diabo nestes tempos de moral exacerbada e patrulhas diversas?
Toni Venturi: O filme faz releituras dos clichês do imaginário popular. E, um dos estereótipos mais saborosos, é o do Diabo charmoso, libidinoso, garboso, invejoso, irado, enfim, o Murilo Rosa encarna os sete pecados capitais, que é a base do argumento que o José Roberto Torero trouxe para mim lá atrás, na gênese do projeto. Interessante é ver que os filmes atravessam o tempo e que não controlamos nada. Quando roteirizamos o projeto... a onda conservadora estava submersa. Hoje vejo um filme crítico a essa moralidade hipócrita que está patrulhando a sociedade depois que abriram a caixa de pandora e soltaram todos esses diabos que tomaram o poder.
Omelete: Como foi o desafio de encarar a cartilha da comédia depois de anos de chão entre o drama realista e o documentário?
Toni Venturi: Foi um grande desafio. Fiz a lição de casa, com humildade. Fui estudar, ler e ver filmes, de Chaplin- o melhor da comédia física, conhecida como pastelão - às comédias mordazes da primeira fase dos irmãos Coen, que eu curto muito. Confesso, ainda com muita humildade, que fazer comédia é algo muito sério.
Omelete: Qual é a ideia de Divindade nesse filme e qual é o simbolismo de ter um mito como Zezé Motta – uma das maiores atrizes negras do país - como Deus?
Toni Venturi: É um filme sobre religião feito por um bando de ateus (os roteiristas), mas todos respeitosos ao Sagrado. O ponto de partida é o Deus cristão, aquele que está na base de todas as religiões mais conhecidas: católicos, judeus, muçulmanos etc. Então, estamos falando de um Deus que é onipotente, onipresente e onisciente. Se ele é tudo isso, então já sabe tudo, né? Tanto do passado, como do futuro. Por isso, nosso Deus sofre de tédio celestial, é imensamente benevolente e louco para jogar alguma coisinha para fazer o tempo passar. O fato de ser mulher e negra é porque acredito na força revolucionária do feminino e quis homenagear os africanos e afrodescendentes brasileiros, um dos pilares da nossa sociedade. Quem me sugeriu a Zezé foi o Cacá Diegues.
Omelete: O que esse filme te ensinou sobre a saúde moral do Brasil?
Toni Venturi: Que andamos muito mal de saúde, desde a mais básica até intelectual. Estamos passando por uma purgação que vai se alongar por muito tempo. Vai se alongar até que esta geração de velhos sórdidos carcomidos seja despachada para o inferno e uma nova geração de pessoas mais antenadas com a compaixão tome as rédeas e consiga salvar o planeta e o ser humano de sua autodestruição. Nós não estaremos mais aqui para ver, mas estamos fazendo a nossa parte, né? Filmes que tragam um pouco de alívio (diversão) com reflexão. E viva Machado de Assis, o gênio realista da literatura brasileira!
A Comédia Divina terá sessões ainda no dia 12, às 21h30, no Reserva Cultural Niterói 2, no dia 14, às 16h15, no Roxy 2.