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7 Dias em Entebbe | "Terroristas têm consciência: o que fazem é errado, mas não são zumbis", diz José Padilha no Festival de Berlim

Cineasta divide opiniões com novo filme

19.02.2018, às 14H41.
Atualizada em 21.02.2018, ÀS 15H09

Acostumado a dialogar com registros documentais em seus cinema campeão de bilheteria, o diretor carioca José Padilha, de 50 anos, optou por outro referencial das artes - a dança - em seu novo e já inflamado filme em língua inglesa, 7 Dias em Entebbe, exibido hoje na Berlinale, fora de concurso. Ele intercala um balé em sua forma de narrar a situação de passageiros israelenses usados como moeda de troca no conflito com palestinos. O longa-metragem volta no tempo, até 1976, em Uganda, onde um avião Air France da rota Tel Aviv-Paris pousa sob o domínio de uma célula terrorista.

"O líder político de Uganda teve a ajuda de Israel num dado momento, mas recebeu a recusa deles quando pediu um novo apoio. Daí ele se aproximou dos palestinos de olho numa aproximação com os árabes", disse Padilha em Berlim.

No filme, no avião raptado, há armas nas mãos de dois alemães que comandaram a ação: Wilfriëd (Daniel Brühl, o Barão Zemo da Marvel) e Brigitte (uma irreconhecível Rosamund Pike, em tocante atuação). Ambos estavam ao lado do realizador do fenômeno Tropa de Elite (laureado com o Urso de Ouro aqui em Berlim há dez anos) no bate-papo com a imprensa internacional, lotada de críticos divididos em duas torcidas. De um lado estavam os que torceram o nariz para as escolhas estéticas do cineasta; do outro vinham jornalistas que se encantaram pelo ritmo febril da narrativa.

"Num determinado ponto da história de Israel em que o dinheiro para investir em ampliação do parque militar diminuiu, (o estadista local) Ytzhak Rabin investiu mais na cultura, sofisticando a arte. Trouxemos a dança pro filme numa tentativa de mostrar a força da arte", disse Padilha, que usa um balé contemporâneo calçando toda a sua narrativa com um espetáculo que traduz a inquietação do Oriente Médio no prisma israelense. "O espetáculo de dança mostra pessoas tirando suas vestes como se estivessem se livrando de suas tradições. A única pessoa que não aceita se despir de suas tradições fica sempre caindo no chão, num gesto de violência".

Na tela, o governo de Israel negocia a libertação dos reféns na base da  diplomacia até apelar para uma intervenção militar idealizada por Shimon Perez (Eddie Marsan, em brilhante atuação) contra a vontade do líder político Ytzhak Rabin (Lior Ashkenazi). Uma das queixas da crítica diz respeito ao uso de câmera lenta nas cenas de ação fotografadas por Lula Carvalho e editadas por Daniel Rezende (de Bingo - O Rei das Manhãs). Um jornalista português reclamava furioso ao fim da projeção: "Será que o Padilha nunca viu Kathryn Bigelow? Nada faz sentido". Ataca-se muito também a visão do filme sobre a criação de Israel e a institucionalização da violência contra os palestinos.

"Respeitei muito a visão de pessoas que estiveram lá e viveram o episódio. Eu consegui falar com alguns dos passageiros que estavam naquele voo e foram feitos de reféns", disse o diretor, que trouxe o piloto do avião real, Jacques Lemoine, para a Berlinale.

Se houve quem chiasse contra 7 Dias em Entebbe no festival, houve também quem aclamasse o longa. Em Berlim, muitas vozes celebraram o trabalho do diretor. "Ele dirige atores muito bem e tem uma habilidade única de driblar ideologias", elogiava o crítico italiano Giovanni Ottone, da revista Vivilcinema. Ao contrário de seus colegas lusos, Paulo Portugal, do jornal Sol, de Lisboa, cravou, entusiasmado: "Ele me surpreendeu ao cair numa trilha de thriller político tensa".

"Terroristas têm consciência. O que eles fazem é errado, indefensável... mas eles não são zumbis", disse o cineasta que, lança em março na Netflix a série O Mecanismo, sobre a Operação Lava Jato.

Houve quem se apaixonasse - e muito - pela alusão do diretor à estética dos thrillers políticos feitos nos anos 1970 pelo franco-grego Costa-Gavras (A Confissão, Sessão Especial de Justiça). Foi Costa-Gavras quem presidiu o júri de Berlim no ano da vitória de Padilha.

"Costa-Gavras é um diretor de esquerda que se tornou uma voz fundamental no cinema da América Latina, graças a filmes como Missing. Qualquer comparação a ele me deixa feliz", diz o diretor. "Queria fazer aqui um filme com diferentes pontos de vista e não só retratar os soldados de Israel como heróis como outros filmes fizeram".

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