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Festival de Cannes | Café Society abre o evento subvertendo o estilo de Woody Allen

Mais dramático do que cômico, filme testa o talento dos protagonistas

11.05.2016, às 10H33.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Com orçamento estimado em cerca de US$ 30 milhões, gasto em locações em Nova York e Los Angeles, em 2015, Café Society, o novo longa-metragem do mítico diretor americano Woody Allen, garantiu ao Festival de Cannes uma das aberturas mais elegantes de toda a história de seu festival anual, que iniciou nesta quarta sua edição número 69 embalado como presente para a comunidade cinefilo nas sofisticadas imagens do fotógrafo romano Vittorio Storaro. É ele quem assina a fotografia deste drama romântico de pontuação cômica beeem rarefeita que se impõe como o trabalho de maior requinte visual de Allen desde Match Point - Ponto Final (2005). Mais bonitos que os enquadramentos só os sorrisos e os olhares de Kristen Stewart, como Vonnie, uma das mais complexas heroínas amorosas da obra do diretor de Annie Hall - Noivo Neurôtico, Noiva Nervosa (1977). Complexidade à altura se vê no protagonista, o jovem judeu Bobby, com o qual Jesse Eisenberg assegurou o respeito da crítica de Cannes numa composição na linha tênue entre o cômico e o trágico.

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"É muito complexo pra mim definir o que o amor significa, mesmo depois de ter dirigido tantos filmes românticos como este, porque o verbo 'amar' pode ser conjugado de formas bem diferentes, sobretudo se encarado sobre a perspectiva da família, da mãe ou do pai,  como também mostro neste longa. Talvez eu seja um romântico", disse o cineasta ao Omelete em Cannes, com uma expressão cansada e com dificuldades auditivas. "É um milagre que eu tenha chegado aos 80 anos. Tento me manter em forma, comendo bem e me exercitando. Sei que a idade pesa, mas eu ainda me sinto jovial para seguir filmando. Meus pais foram até os cem anos. Talvez isso me garanta mais disposição".

Íntimo do estilo alleniano desde que rodou Para Roma, Com Amor (2012) com o cineasta, Eisenberg encarna Bobby na linha da neurose, como é hábito dos personagens masculinos centrais de Woody, mas subverte os tiques nervosos do protagonista conforme Café Society avança. Seu dilema afetivo é maior do que suas excentricidades e inseguranças: ele caiu de amores pela morena Vonnie (Kristen), mas esta tem um caso com o tio dele, o todo-poderoso agente de estrelas hollywoodianas Phil, vivido por Steve Carell num posto outrora ofertado a Bruce Willis.

"Esta é apenas a história de um sujeito adorável, a quem todo mundo se afeiçoa, mas que enfrenta momentos difíceis, apesar disso, como ocorre com todos nós. Jesse é um ator incrível que também tem a condição de ser adorável. Não quis fazer dessa atuação dele um espelho de meu 'eu lírico' como autor, por isso deixei ele improvisar os diálogos", diz o diretor, hoje envolvido numa série para a Amazon TV.

Em sua estrutura dramática agridoce, na qual a melancolia sobrepuja o riso, sem prejudicar a leveza, Café Society subverte traços habituais do olhar autoral de Allen, rompendo a linha de fragilidade habitual de seus casais. Aqui, o progresso profissional de Bobby em Hollywood, nos anos 1930, e depois na alta roda de Nova York tem um peso tão grande quanto seus sentimentos. Estamos diante de uma jornada que ultrapassa seu querer por Vonnie, embora esta nunca saia de sua mente. Ela também ganha contornos mais sólidos - e até feministas - do que o padrão das mocinhas do diretor.

"Nos anos 1930, a América produzia um cinema dominado por estúdios, numa estrutura muito competitiva, onde cão comia cão, implacavelmente. Leia os romances de Scott Fitzgerald e você encontrará esse ambiente, que, apessr de tento, gerou filmes seminais, mais possantes que os de hoje", diz Allen, que faz a narração de Café Society. "Eu concebi a trama com uma estrutura literária de romance, no qual distintos personagens têm sua própria história e seu próprio destino, em paralelo à trajetória de Bobby. Como autor, isso me deu a tentação de eu mesmo narrar. Era pegar o roteiro e ler. Simples".

Rouba a cena o irmão bandido de Bobby, o gângster de bom coração Ben, vivido por Corey Stoll. Embora garanta ao longa certo alívio cômico, ele introduz um toque de violência e sangue ao universo quase sempre lúdico de Allen.

"Faço meus filmes confiando no que os fotógrafos podem fazer. Trabalhei com grandes diretores de fotografia e Vittorio Storaro é um dos grandes, submetido aqui ao desafio que também encarei de filmar em tecnologia digital e não em película. O processo é distinto, mas a lógica estética é a mesma: buscar a luz adequada ao sentimento de mundo que busco imprimir", diz Allen, que polemizou na coletiva de imprensa ao explicar a razão pela qual se recusa a concorrer em Cannes (ou em qualquer outro festival) apesar do prestígio de que desfruta. "Você já imaginou alguém escolher entre Rembrandt, Matisse e Picasso quem é o melhor pintor? Com cinema, é o mesmo... pra mim. O melhor filme para uns é péssimo pra outros. Competição é para o esporte, não para a arte".

Com a projeção de Café Society foi dada a largada para a seleção oficial de Cannes, com 21 longas em concurso, incluindo Aquarius, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, que passa dia 17. O primeiro concorrente do ano a ser exibido será o romeno Sieranevada, de Cristi Piu.

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