Taí uma surpresa: Baby, filme profundamente paulistano exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024, foi feito por um grupo de artistas que não veio de São Paulo. O Omelete conversou com o diretor Marcelo Caetano e os protagonistas João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro (todos mineiros), além da coadjuvante Bruna Linzmeyer (natural de Santa Catarina), sobre a origem dessa fascinação com a capital paulista - e, especialmente, a região do centro.
“Eu me mudei para São Paulo faz 20 anos, e desde que comecei a trabalhar com cinema, me senti atraído pelo centro”, contou Caetano, que também assinou o longa Corpo Elétrico e a série Notícias Populares, todos filmados na região. “O centro tem uma dinâmica que interessa muito para mim, como cineasta, que é a transitoriedade das pessoas ali. Elas passam por lá, mas não fincam raízes, e isso cria um lugar que é muito vivo, muito novo, muito diverso. Todo mundo é só um corpo na multidão, então todo mundo se sente mais livre para ser quem é”.
Caetano ainda citou que, como cinéfilo, viu a cidade de São Paulo refletida em clássicos da filmografia nacional, de Pixote: A Lei do Mais Fraco (1980) até A Hora da Estrela (1985), passando por São Paulo S.A. (1965). “É muito difícil filmar em São Paulo, porque as pessoas resistem a encontrar uma beleza ali - mas, se você olha para a história do cinema brasileiros, muitos momentos emblemáticos foram construídos naquelas ruas”, comentou.
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Ainda assim, Baby é um olhar de dentro para fora, como definiu Bruna Linzmeyer: “Eu acho que é um filme de gente de fora de São Paulo, na verdade, um filme de gente que foi para São Paulo para tentar a vida quando jovem. Eu tinha 16 anos! Acho que o filme retrata uma dureza muito real, a cidade grande e caótica onde parece que nada é possível, mas aí os afetos aparecem. Essa é a minha relação com São Paulo - apesar de ser uma cidade que já me amedrontou muito, o que sustenta a travessia nela são os afetos”.
Durante as filmagens de Baby, o elenco se acostumou a chegar nas locações várias horas antes das câmeras rolarem, para longos ensaios e sessões de entrosamento. João Pedro Mariano, que interpreta o personagem-título, achou o processo particularmente útil, uma vez que sua relação com São Paulo costumava ser mais transitória - era a cidade onde ele estudava teatro, mas não onde morava.
“São Paulo foi uma cidade que me ofereceu muitas oportunidades, mas ao mesmo tempo não me ofereceu nada, entende?”, refletiu ele em entrevista ao Omelete. “Sempre senti que precisava ter muito cuidado com o processo de travessia na cidade. E, com a produção de Baby, eu fui conhecendo mais aquele centro, pesquisando nas ruas, gravando por ali, pensando em como o personagem se portaria naquelas situações. O meu processo de acolher São Paulo foi junto com o dele”.
Já seu colega de elenco, Ricardo Teodoro, mora na região central da capital paulista desde 2018. “Na preparação para o filme, passei alguns dias na Praça da República observando as pessoas. Tem gente de todo lugar do Brasil ali, tentando a sorte, e é uma vivência que te ensina a ser safo, a ver coisas e não comentar, mas também a abraçar as pessoas que te dão um olhar”, definiu na entrevista.
“Eu amo o fato de que todas as tribos estão ali se respeitando, convivendo, os garotos de programa de um lado, as trans de outro, o pessoal vendendo a droga, os policiais passando e fingindo que não viram", completou. "É uma situação precária, sim, mas tentamos fazer o filme de um ponto de vista de esperança, dessas pessoas que estão tentando viver, que não se colocam no lugar de vítima”.
O Festival de Cannes 2024 acontece entre 14 e 25 de maio, exibindo filmes aguardados como Furiosa: Uma Saga Mad Max e Megalopolis, de Francis Ford Coppola, entre muitos outros. Fique de olho no Omelete para a cobertura completa.