Para fechar em alto astral sua programação de 2016, o Festival de Berlim guardou para o final seu filme mais engraçado, recebido com gargalhadas em sessão hors-concours: Saint Amour, cujo combustível vem do carisma e do talento de um titã do cinema francês, o ator Gérard Depardieu.
Aos 67 anos, com quase 200 longas em um currículo iniciado em 1967, Depardieu interpreta um criador de gado que sai em viagem pela rota dos vinhos da França a fim de botar nos eixos seu filho beberrão, Bruno, vivido pelo belga Benoît Poelvoorde, um dos comediantes de maior prestígio popular de toda a Europa na atualidade. A direção é da dupla Benoît Delépine e Gustave Kervern, que dirigiu Depardieu antes em Mamute (2010), e, agora, põe o astro numa comédia classificada por todos na Berlinale de "fofa", por seu olhar sobre a paternidade. Assista ao trailer:
"A comédia na França hoje se aproximou muito da estética televisiva, ficando muito dependente da palavra e abrindo mão das sutilezas, em filmes quase sempre dirigidos por cineastas jovens, sem o entendimento de uma certa tradição do humor europeu, que extraía o riso não de piadas prontas, mas de críticas sociais e de retratos de situações cotidianas", dissertou Depardieu ao Omelete, criando polêmica em sua passagem por Berlim com tiradas ácidas contra seu país de origem e até contra O Regresso, de Alejandro González Iñárritu.
O ataque não foi ao filme estrelado por Leonardo DiCaprio, mas sim à badalação que ele ajuda a trazer à leva de filmes de Oscar, que, na zombaria feita por Depardieu, em Berlim, mobilizam o circuito exibidor da França, onde Saint Amour será lançado daqui a duas semanas. Nem o Festival de Cannes ele poupou, chamado seu ex-presidente, o jornalista Gilles Jacob, de múmia, disparando farpas também para os atuais curadores. Afagos, ele só fez na figura do presidente russo Vladimir Putin, de quem é amigo e entusiasta declarado.
"Eu me sinto mais russo do que francês, mesmo quando não estou na Rússia. Mas como poderia ser diferente sendo francês e vendo o presidente que a França tem hoje? Não dá pra aguentar", disse o ator, antipatizante ferrenho do governo de François Holande, em função de sua política fiscal.
Apesar da polêmica que criou com suas reclamações, Depardieu não ofuscou o êxito de Saint Amour entre crítica e pública, sendo que ambos saudaram a vitalidade cômica do roteiro escrito pelos próprios diretores com leves toques de pornochanchada. Na tela, o fazendeiro Jean (Depardieu) e seu filho Bruno se metem em confusões com mulheres enquanto provam de vinhos feitos no interior do país. "Existe uma força extra nesta história que é seu olhar sobre uma França rural e sobre os costumes dos homens do campo, figuras cada vez menos abordadas no nosso cinema", disse o ator, que participa da Berlinale ainda com outro longa, The End, na seção chamada Fórum.
Sob a direção de Guillaume Nicloux, com quem fez Valley of Love em 2015, Depardieu interpreta um caçador que se perde numa floresta, ás voltas com fantasmas internos. "Eu escolho projetos baseados nas emoções que eles podem despertar em mim e nos espectadores", disse o veterano ator, que acaba de protagonizar Le Divan de Staline, no papel do ditador soviético Josef Stalin, sob a direção da musa dos anos 1980 Fanny Ardant, com quem atuou no aclamado A Mulher do Lado, em 1981.
Logo depois da coletiva com Depardieu, a Berlinale acolheu o último dos quatro longas-metragens selecionados para seções paralelas: Muito Romântico, exibido pelo casal Melissa Dullius e Gustavo Jahn na seção Fórum Expanded, reduto para o cinema experimental. Mas, no caso desta produção desenvolvida ao longo de uma década, com base em uma viagem de navio pelo Atlântico, o experimentalismo convive com a fofura em igual medida, numa love story cheia de bossas de linguagem centrada na percepção sensorial do espaço a partir de uma relação a dois. Imagine um episódio de Mad About You dirigido por um artista plástico transgressor como Helio Oiticica. É mais ou menos isso o filme brasileiro. Falando do país, são altas as apostas na vitória do curta capixaba Das Águas Que Passam, de Diego Zon, neste sábado, durante a entrega dos prêmios da seleção oficial.
Segue inabalável o favoritismo do documentário italiano Fuocoammare, de Gianfranco Rosi, sobre uma ilha da Sicília onde refugiados políticos africanos se abrigam. Mas este é seguido de perto pelo drama de tintas cômicas The Commune, do dinamarquês Thomas Vinterberg. Nesta sexta, com a exibição dos dois últimos concorrentes – o iraniano A Dragon Arrives!, de Mani Haghighi, e o polonês United States of Love, de Tomasz Wasilewski -, a Polônia pode virar o jogo, merecidamente. De uma precisão cirúrgica no controle da temperatura e da pressão da narrativa, num drama sufocante sobre solidão, o filme de Wasilewski reconstitui os dilemas econômicos, políticos e financeiros da pátria polonesa em 1990, após o fim da União Soviética, assumindo como foco as angústias de quatro mulheres: todas reféns do amor ou de sonhos inconcretizáveis.
"Eu tinha apenas 9 anos naquela ocasião de mudanças políticas na Polônia, mas, como vivia numa casa cheia de mulheres, percebia o que estava se passando a partir do ponto de vista delas", disse Wasilewski, hoje o mais cotado para ganhar o prêmio de melhor direção.
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