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Marcelo Milici | Quem não gosta de sentir medo?

Nova coluna do Omelete com dicas de filmes, livros e o que há de melhor e pior no gênero fantástico

MM
24.04.2015, às 11H43.
Atualizada em 17.11.2016, ÀS 01H01

"Hey... you wanna see something really scary?" - No Limite da Realidade (Twilight Zone: The Movie, 1983)

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O crepitar da pequena fogueira ajuda a não prestar atenção na mata seca e escura que circunda o acampamento. Ainda assim seus olhos não escapam de procurar sombras, entre as árvores magras, como se esperassem a travessia súbita de um visitante inesperado, o oitavo ouvinte das histórias macabras que seriam narradas naquela madrugada de sábado. Aquela pausa silenciosa, que antecede a primeira sessão, ampliava o frio que não era abrandado pelo calor da chama avermelhada. Silêncio. Frio. Calafrio! O arrastar das folhagens emitia um som que se confundia com o esforço sorrateiro de algum animal à espreita. E se você estivesse entre os intentos da criatura? O mundo dos pesadelos se torna ainda mais vívido quando a narração começa. Você quer ouvir algo realmente assustador?

Quem não gosta de sentir medo? Essa sensação primária dialoga com nossos instintos de preservação e impede que deixemos nossos impulsos assumirem o comando de ações consideradas insanas - vide Vítimas do Desconhecido (Impulse, 1984). "Não, não vou andar em um bairro perigoso durante a madrugada" - ainda assim, apesar de sua vestimenta desagradável, ela constantemente nos atrai, seja pela curiosidade que nos move lentamente na passagem por um acidente de trânsito ou pela ousadia de testar os próprios limites num passeio de montanha-russa, mesmo não aceitando muito bem a distância do chão. Enquanto o veículo sobe lentamente pela estrutura do parque, você se arrepende por ter aceitado o trajeto e fica torcendo para que tudo aconteça rapidamente; depois que o carrinho encosta novamente no ponto de partida, a sensação de alívio parece convidá-lo para uma nova volta.  

Aprendemos a lidar com o que não entendemos com o medo, atiçados pelo que é considerado estranho ou fora do comum, como se fôssemos A Sentinela dos Malditos (The Sentinel, 1977), de um filme de Michael Winner. Ainda que você saiba que aquele vídeo divulgado na internet trará sustos ou algo sobrenatural, como a comprovação da existência de fantasmas, é exatamente essa a motivação para uma conferida. Esse desafio à adrenalina é o mesmo que alimenta a vontade de ver aquele filme de zumbis que passará na televisão na madrugada, motivado pelo alerta dos pais sobre o conteúdo impróprio para a sua idade. Aliás, são os nossos progenitores os anfitriões do terror! Ao evitar traumas que possam nos acompanhar por toda a vida, eles criam monstros no guarda-roupa e dão vida à criaturas lovecraftianas nos lugares mais sombrios de nossa casa. "Se você não dormir, o bicho-papão vai vir pegá-lo!"; "Não vai ali que tem um monstro terrível!"

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A Sentinela dos Malditos (The Sentinel, 1977)

Meu pai costumava falar sobre um tal "rato do nariz vermelho", localizado em lugares aonde não queria que eu e meu irmão fôssemos. Não cresci tendo medo de ratos - talvez meu saudoso pai não tenha sido tão convincente -, nem muito menos de assombrações ou monstros, embora o conto"Último Turno", do livro Sombras da Noite, de Stephen King, tenha inspirado alguns pesadelos. Às vezes, fugia da sala nas cenas finais de O Homem-Cobra (Sssssss, 1973), de Bernard L. Kowalski, temia o cachorro com rosto humano em Os Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978) e tapava os olhos para a assombração da biblioteca de Os Caça-Fantasmas (Ghost Busters, 1984). Aquela pulguinha atrás da orelha, porém, servia de fio condutor para uma espiada nos momentos mais assustadores por entre os dedos finos da mão. Foi por essa fresta que eu via o rosto horrendo do O Homem Elefante (The Elephant Man, 1980), de David Lynch, e os braços compridos de Freddy Krueger em sua primeira cena de A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984).

O medo nasce dessas frestas...das descobertas, das histórias contadas de pai para filho, das páginas amareladas de Os Mortos-Vivos, de Peter Straub, e, claro, com o cinema - esse temor foi o que provocou o surto precoce da primeira plateia que acompanhava A Chegada do Trem à Estação, dos irmãos Lumière, em dezembro de 1896. Enquanto instigava o público pelo misterioso e surpreendente, como a psicanálise de Freud acreditava - emergindo da id primitiva e reprimida pelo ego -, também servia como uma válvula de escape das emoções negativas: o filósofo grego Aristóteles chamava esse processo de purificação, através de peças trágicas, de catarse.

Ainda assim, há quem não goste de sentir medo, travestido na sua rejeição ao gênero. Prefere acreditar em sua condição de catalisador de coisas ruins, transformando aqueles que curtem produções assustadoras em pessoas agressivas, mal-humoradas e até, por mais absurdo que pareça, satanistas. Você conhece a obra de Romero, Fulci, Carpenter, Argento, Cronenberg, Bava, Deodato e Craven, portanto é o vilão de um filme de terror B, capaz de juntar amigos no milharal para honrar "aquele que anda por detrás das fileiras" e impedir que outras pessoas entrem no porão da casa cercada por mortos-vivos comedores de carne humana.

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Os Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978)

Com o tempo, o medo passa a não nos acompanhar mais nas produções do gênero, mesmo aquelas que outrora causavam um certo incômodo. Talvez estejamos suficientemente calejados para não se importar com o fantasma que se esconde em longos cabelos negros ou não acreditamos que aquela tábua Ouija seja algo além de um simples brinquedo datado. Quando isso acontece, as voltas tortuosas de uma montanha-russa serão apenas emocionantes e aquela narração nas proximidades de uma mata selvagem não transformará folhagens secas em monstros. São exatamente essas situações e bons filmes do gênero que tornam o horror tão fascinante!

E você, caro leitor, ainda sente medo em filmes de terror? Por que você se sente atraído por esse gênero tão mal visto? Na próxima coluna, continuarei falando do medo, trazendo em pauta os dez filmes mais assustadores de todos os tempos!

Divirtam-se horrores!

Leia também: A primeira apunhalada (ou como comecei a gostar de horror)

* Marcelo Milici é professor, com especialização em Horror Gótico, idealizador do Boca do Inferno, fã de rock´n roll e paçoca.

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