É de conhecimento público que polêmicas e temas LGBTI andam de mãos dadas, gerando uma lista de casos a serem discutidos. Alguns deles, os do mundo do entretenimento, já foram abordados nas colunas anteriores. Hoje chegamos ao mundo dos games, um universo teoricamente dominado por heterossexuais e repleto de preconceitos. Por aqui, as polêmicas LGBTI também estiveram presentes. Simbora pro jogo?
O universo dos games eletrônicos tem pouco mais de 60 anos de vida e, apesar do pouco tempo, transformou-se completamente com o avanço da tecnologia. Gráficos mais complexos, consoles mais poderosos (beijos, Wii U) e jogos cada vez mais inovadores. Ao longo deste tempo tivemos ícones como Mario e Zelda, desenvolvidos pela Nintendo, e outros como Assassin's Creed, God of War e The Last of Us, só para citar alguns. Neste contexto, como os personagens LGBTI têm sido representados?
Em 1988 tivemos Birdo, criado para Super Mario Bros. 2, cuja descrição no encarte do jogo era: "Ele pensa que é uma menina e cospe ovos pela boca". Apesar desta descrição, a transexualidade do personagem não foi comentada pela Nintendo até hoje, deixando no ar para que os fãs tirem suas conclusões. Birdo é trans, mas sua presença sempre foi bem sutil nos jogos do Mario.
Em 1990, a Capcom deu vida a Poison em Final Fight, uma mulher trans que causou confusão entre os gamers por sua aparência feminina e sexualizada (vide os peitões e a barriga negativa). A polêmica em torno de Poison é justamente o desconforto de homens héteros sentindo atração pelo corpo da personagem e sabendo que ela um dia foi um homem. Para muitos, um gosto agridoce. Poison está presente até hoje na franquia Street Fighter e mantém uma representação trans de respeito. Sem trocadilhos. Outra personagem importante nos games é Juhani, de Star Wars Knights of the Old Republic, assumidamente lésbica e a primeira de sua trupe em todo o universo Star Wars. Tá queridan?
Em 2004, a franquia The Sims permitiu a formação de casais homoafetivos. Nada mais justo, afinal se a proposta do jogo é que possamos construir um novo mundo virtual, precisamos ter as mesmas opções da vida real. É uma forma de representação através da escolha: você pode ser quem você quiser. Em 2008, GTA IV apresentou Anthony Prince, também conhecido como Gay Tony, um "empresário da noite" orgulhoso por ser gay. É um papel menor, até sutil, dentro da franquia, mas já representa alguma coisa.
Meu LGBTI favorito nos games é Ash de Streets of Rage 3, lançado em 1994. Ele é um vilão gay extravagante que veste colant, botas e pulseiras de couro, meia-calça verde limão e colete e kepe roxos. Enquanto na versão japonesa do jogo o personagem pode circular livremente, junto de seus capangas gogo boys, na edição americana ele foi retirado para não ferir a moral e os bons costumes da família tradicional. Apesar disso, havia uma forma de desbloqueá-lo no game. Imagine que criar personagens gays masculinos já é um escândalo, portanto criar personagens gays com gestos femininos, e potencial para sambar na cara da sociedade, é duplo escândalo. E dai vem a censura. A Sega ahazou com Ash e gostaria de ver mais personagens assim em jogos de luta.
Embora tenha citado poucos exemplos acima, entre tantos outros que ficaram de fora, é perceptível que os LGBTI estiveram/estão presentes nos games e ganharam certa representatividade. Isso, claro, de forma tímida: todos são personagens secundários. Nos games da era moderna, a representação é mais justa, humana e menos caricata, mas ainda em papéis secundários. Em Dragon Age: Inquisition temos Dorian, um mago gay; e Sera, uma lutadora lésbica.
Neste mesmo universo há Cremisius Acclasi, ou apenas Krem, um homem trans pertencente Bull's Chargers, um grupo de mercenários. Na história, Krem é tratado com naturalidade e respeito - algo que não deveria causar surpresa, afinal todos devem ser tratados assim. Em alguns momentos do jogo há ênfase no fato de Krem ser um homem, e dos bons, protegido pelo líder de seu clã. É uma grande contribuição para a pluralidade de personagens e de escolhas dentro dos games. Estas escolhas plurais também estão presentes na construção dos personagens de Dragon Age e o jogador pode incluir barba em personagens femininos e maquiagem nos masculinos. Você escolhe, bee! Se joga... Novamente, os personagens que citei acima são secundários.
Então me pergunto: onde estão os protagonistas gays, Brasil? Cadê? Em Last of Us, uma das protagonistas, Ellie, vive um romance lésbico. Esta parte da trama, entretanto, é mantida fora do jogo principal e faz parte do DLC "Left Behind". A polêmica neste caso é que, devida a sutileza da cena, as pessoas ficaram em dúvida se Ellie era realmente lésbica ou se não passava de uma experiência de descoberta adolescente. Aquele amiguinho que tu pega antes de saber o que quer da vida, saca? Embora nada tenha sido confirmado, o diretor do jogo, Neil Druckmann, disse que o objetivo é que o romance fosse sutil e que os gamers pudessem interpretar se Ellie é ou não lésbica. Em Mass Effect 3, da mesma produtora de Dragon Age, existe o personagem Steve Cortez, um protagonista gay com romance assumido e cena de sexo dentro do game.
Chego a um ponto que me interessa bastante: em algumas situações é realmente importante escrever na testa do personagem que ele é LGBTI? Não é possível, também, mostrar isso de formas sutis e ainda se manter verdadeiro ao propósito de representatividade? Sou a favor de escancarar algumas coisas nas tramas, colocar a cara do personagem no sol, mas em outros casos ninguém pergunta se, numa cena de beijo entre um homem e uma mulher, eles são heterossexuais. Qual o motivo da dúvida no caso de Ellie? Polêmica por polêmica? Gosto que a questão da sexualidade é inserida de forma bem sutil na trama do jogo, embora não dê para saber se é por cautela dos roteiristas ou licença poética mesmo. Em Last of Us também há Bill, um personagem gay que não deixa abertamente clara a sua sexualidade, apenas algumas pistas ao longo do jogo. Por fim, nem sempre é preciso botar a cara no sol para representar personagens LGBTI, afinal alguns de nós são discretos. E isso não deixa de ser representatividade!
Ainda no tema dos protagonistas, Lucien Soulban, escritor da Ubisoft Montreal e assumidamente gay, ao ser questionado sobre a presença de protagonistas gays em jogos AAA (de alto orçamento), respondeu: "Não teremos por um tempo, eu suspeito, por causa do medo disso impactar as vendas". Esta declaração não surpreende, afinal o mercado de games é constantemente criticado por ser machista e sexista. Pensando pela lógica de Soulban, criar um protagonista LGBTI é um risco financeiro alto para um grande estúdio. Ou não, né? Acredito que quem for pioneiro na causa ganhará RIOS DE DINHEIRO, migxs. Fica a dica, pois, apesar do cenário negativo, Soulban diz na mesma entrevista: "Videogames pararam de 'anunciar' personagens gays. Eles estão introduzindo-os sem muito alarde num esforço para dizer 'Sim, está lá e é super normal'. Estamos aqui, somos bichas e estamos ocupados trabalhando." Portanto, 'tamo ai' sendo representados de forma sutil, como algo natural, não fora do comum e parte da escolha do mundo. Com isso, vamos conquistando aos poucos mais pontos de experiência neste grande jogo da vida.
Por fim, há no mercado indie de games títulos como Gay Fighter Supreme e Gone Home para nos colocar na linha de frente. Está na hora dos indies crescerem neste âmbito também. O mundo dos games, assim como o mundo do entretenimento, possui poucas representações LGBTI, mas ótimas contribuições ao longo do tempo. O cenário, como já disse em outras colunas, é bastante positivo e só tende a melhorar. Estamos ganhando nosso espaço! Viva! Um bayjo, um quayjo e até a próxima coluna.
P.S.1: Menções honrosas: Vamp de Metal Geard Solid, Eagle de Street Fighter; Samantha de Go Home, Arcade Gannon de Fallout, Abu'l Nuqoud de Assassin's Creed e Da Vinci de Assassin's Creed: Brotherhood.
P.S.2: Gaming in Color, um documentário sobre gaymers e sobre os temas LGBTI em games. Recomendo! :)
Adotamos a sigla LGBTI por ser a mais completa para se referir à diversidade de gênero e identidade sexual nos dias atuais. O T se refere a "TRANS" (travestis, transexuais e transgêneros) e o I a "Intersexual", pessoas com características de ambos os sexos e que podem se reconhecer como homem ou mulher, independente das características físicas. Esta definição é contribuição do leitor Vinícius.
*Gay Nerd é uma coluna quinzenal que mistura nerdices aos temas LGBTI
Isaque Criscuolo é editor do Imerso, nerd, adora um lipsync e acredita que menos é mais
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