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Cavaleiros do Zodíaco da Netflix fica no meio-termo entre homenagem e renovação

Mirando novo público, série diminui o tom nas lutas, apesar de seguir quase à risca o material original

06.08.2019, às 12H00.
Atualizada em 06.08.2019, ÀS 15H08

Atenção: o texto contém spoilers da primeira temporada de Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco.

Fã de Cavaleiros do Zodíaco, a nova adaptação da saga dos guerreiros de Atena na Netflix deseja muito a sua atenção, mas, no fim das contas, ela não é para você.

Essa é a constatação ao assistir os seis primeiros episódios de Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco, que chegam ao serviço de streaming nesta sexta-feira (19). A produção, um remake da série clássica em computação gráfica produzida pela Toei Animation em conjunto com a empresa americana, parece querer o tempo todo a chancela de fãs como você e eu, que conheceu a série nos anos 1990, assistiu mais uma vez com a nova dublagem nos anos 2000, coleciona bonecos e até hoje dá uma olhada nas novas produções da franquia.

Isso fica visível já na abertura, quase uma reprodução quadro a quadro da versão original, com direito a nova versão de "Pegasus Fantasy" (desta vez em inglês, pelo grupo The Struts) e a recriação de sequências icônicas como o salto do protagonista Seiya aos céus, à semelhança de sua constelação protetora, Pégaso; a viradinha do grupo de heróis para a câmera; a imagem da deusa Atena resplandecendo sobre a órbita da Terra; e o mestre do Santuário, grande vilão da primeira saga da série clássica, escondido entre sombras e chamas.

Fica visível, também, na manutenção quase inalterada do visual de ícones da série, como os cavaleiros de ouro (e das armaduras que, ao menos, surgem nos primeiros seis episódios), ou na reprodução quase fiel de algumas cenas icônicas de CdZ. Entretanto, o remake deixa a desejar em uma das poucas características na qual não podia pecar: a emoção e o drama nas lutas.

Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco/Netflix/Reprodução

Parte disso se deve ao atenuamento da violência em relação ao material original. Os primeiros episódios confirmam o que os trailers já mostravam e o que os produtores da série já haviam avisado ao site de fãs CavZodiaco: o remake é voltado para um público mais jovem. A violência que caracterizou o anime dos anos 1980 (e quase impediu sua exibição no Brasil uma década depois) foi amenizada.

A outra “culpada” é a rapidez com que a saga de Seiya e seus amigos é contada na nova adaptação, lado a lado com o material original. A produção da Netflix adapta a história do mangá de Cavaleiros do Zodíaco, e não do anime, que, por si só, já é mais direta e sem firulas. Entretanto, a nova versão acelera ainda mais o ritmo. Comparado ao anime clássico, o remake atinge a velocidade da luz.

Em uma comparação grosseira (até para não entrar em terrenos de spoiler), é como se cada episódio da versão Netflix adaptasse, em 25 minutos, quatro capítulos do anime clássico. É claro que muita coisa desnecessária ficou fora de forma justa (oi Dócrates e Cavaleiros Fantasmas), mas muitos eventos importantes ficaram sem o peso que deveriam.

O melhor exemplo que posso dar está na luta entre Seiya de Pégaso e Shiryu de Dragão (ou Long de Dragão, se você tiver curiosidade de conferir a dublagem americana), talvez o primeiro combate de grande importância na história de Cavaleiros do Zodíaco. É a primeira luta a mostrar, na prática, como os heróis colocam a própria vida em risco toda vez que vestem suas armaduras. É, também, a luta que começa a desenvolver mais profundamente laços de amizade entre Seiya e seus amigos, algo fundamental para que o roteiro chegue em seus pontos altos.

O que é contado em dois episódios cheios de tensão e ação se transforma em uma cena de batalha sem a menor cerimônia que mal chega a ocupar um capítulo da adaptação da Netflix. E, com um tom mais voltado ao público infantil, boa parte da violência que caracteriza e amplifica o drama fica de fora.

Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco/Netflix/Reprodução

Não estou nem defendendo que a série da Netflix deveria ter mirado um público mais velho para se valer de recursos que ajudaram a construir o sucesso de Cavaleiros nos anos 1980, mas o atenuamento da violência foi tamanho que sequer as armaduras sofrem rachaduras durante o combate.

Ao abdicar de algo até inofensivo em relação aos litros de sangue e os membros do corpo decepados que ilustraram as tardes da finada TV Manchete entre 1994 e 1997, a nova adaptação abre mão de um recurso valioso para dar peso e drama a acontecimentos que precisavam disso para funcionar dentro do roteiro.

Expectativa x realidade

Essa não é a primeira tentativa de renovação de Cavaleiros do Zodíaco. Na verdade, parece ser uma nova tentativa das partes de resolver um velho dilema da saga criada por Masami Kurumada, e o mesmo de várias outras séries shonen (animes/mangás para garotos) dos anos 1980: rejuvenescer a faixa etária da base de fãs sem perder a essência que conquistou multidões décadas atrás.

Cavaleiros do Zodíaco anda particularmente preso nesse dilema, já que suas últimas tentativas neste sentido - o anime Cavaleiros do Zodíaco Ômega (2012) e o filme animado A Lenda do Santuário (2014) - não tiveram muito êxito em nenhuma das frentes, sem alcançar um público novo e sem agradar quem já é fã de longa data.

A cada fracasso, CdZ passou por períodos com produções inteiramente voltadas ao fan service, mas de qualidade duvidosa, como o caça-níqueis Alma de Ouro (2015) e o medíocre Saintia Shô (2019).

Sendo assim, é surpreendente que a Toei tente uma obra com esse equilíbrio delicado mais uma vez, com um fator adicional de periculosidade para os fãs tradicionais: buscar o lucrativo mercado americano, onde Cavaleiros do Zodíaco, ao contrário de obras contemporâneas como Dragon Ball, nunca estourou.

Tal tentativa já criou polêmica para a série da Netflix antes mesmo da estreia, com o anúncio de mudanças polêmicas, como tornar o protagonista Shun de Andrômeda uma mulher (que, apesar da troca de gênero, é basicamente o mesmo personagem em relação ao anime original). A reação negativa foi grande o suficiente para afastar do Twitter o roteirista Eugene Son, que tem no currículo animações da Marvel, dos Transformers e de Ben 10.

Com essa expectativa de novo público-alvo e mudanças, a série da Netflix é até conservadora em relação a mexer em pontos-chave da trama bolada por Masami Kurumada nos anos 1980. As mudanças, por mais polêmicas que pareçam, ou não fazem tanta diferença, ou até ajudam a história a fazer mais sentido do que a trama cheia de furos do anime original.

O que faltou a Son e a equipe de roteiristas contratada para a nova produção não foi entender os momentos importantes que faziam a trama de Cavaleiros do Zodíaco pulsar. Foi, assim como em várias das outras obras recentes da série, falhar em transmitir a emoção característica do gênero shonen. E, com isso, a saga de Seiya e seus amigos deve permanecer em uma encruzilhada.

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