Séries e TV

Entrevista

“Médicos são tão f*didos quanto nós”: como Shrinking quer descomplicar a terapia

Nova série da Apple TV+ acompanha psicólogo que decide abandonar as “boas práticas” e se mostrar mais humano para seus pacientes

Omelete
5 min de leitura
26.01.2023, às 06H00.
Atualizada em 31.08.2023, ÀS 12H12

No conforto — ou seria desconforto? — da terapia, é rápido presumir que o psicólogo do outro lado da sala tem sua vida em ordem. Esta é, afinal de contas, uma relação unilateral: um revira os dramas e dilemas do passado, do presente e do futuro, enquanto o outro ouve, pergunta e toma notas. Não há propriamente uma troca — ao menos não no sentido isométrico da expressão. Porém, essa visão, corroborada por vezes pela cultura pop, não corresponde à realidade, como analisou, entre risos, o produtor, roteirista e diretor Bill Lawrence (Ted Lasso), em entrevista ao Omelete. “Nos Estados Unidos, quando se faz uma série sobre médicos ou terapeutas, geralmente eles não são pessoas falhas ou bobas. Seja para Scrubs ou para essa série, pude conhecer muitos doutores, e eles são tão f*didos quanto nós!”.

Foi partindo deste lugar que nasceu sua mais nova série no Apple TV+, Shrinking (assista ao teaser no topo da página). Ao lado de Brett Goldstein (Ted Lasso) e Jason Segel (How I Met Your Mother), ele criou a história de Jimmy, um psicólogo que está sofrendo para se reerguer desde a morte repentina da sua esposa. Tentando seguir em frente e retomar o relacionamento com sua filha, que presenciou seu abuso de álcool e drogas por meses, ele tem uma epifania quando chega ao limite com um dos seus pacientes: e se ele só fosse brutalmente honesto— ou, no bom português, mandasse a real com seus clientes? Deixando as “boas práticas” de lado para se revelar mais humano, ele e seus pacientes tentam levar um dia de cada vez, rindo apesar das dores.

“Acho [a terapia] um lugar fascinante para drama e comédia, porque o relacionamento entre um psicólogo e seu paciente é tão único. É incrivelmente íntimo e pode durar anos, mas existem limites”, justificou Goldstein. “Essa pessoa não é da sua família ou seu parceiro. É alguém que você paga para encontrar. É uma área tão estranha e interessante para explorar”.

Contudo, a ideia para o seriado não surgiu de uma mera hipótese curiosa. Na realidade, há um lastro muito real nessa premissa. Afinal, Shrinking é inspirada no psiquiatra Phil Stutz, autor do famoso livro O Método e tema do novo documentário de Jonah Hill, Stutz. E, como você pode notar pelo trailer do longa da Netflix (assista abaixo), o médico não é adepto da ideia de não-interferência na vida dos pacientes, e isso por si só abre um mundo de possibilidades cômicas para a série.

É evidente que, se tratando de uma produção focada em saúde mental, é necessário que o humor esteja ancorado em fatos e em um senso de responsabilidade. Até porque muitos dos pacientes de Jimmy vivem dramas reais, quando não diagnósticos mesmo, como estresse pós-traumático e TOC. Por isso, Lawrence repetiu o que fez em Scrubs e consultou especialistas. “Se essa série não fosse autêntica, teríamos problemas. Então entrevistamos muitos terapeutas. Praticamente todas as histórias que usamos são reais ou derivadas de histórias reais que obtivemos na nossa pesquisa. E onde tomamos a licença poética foi no fato de que todo psicólogo que conhecemos, fora do ambiente da terapia, não poderia ser mais engraçado, caloroso e falho”.

Para Goldstein, encontrar o tom certo foi um desafio. “Você não quer que seja tão triste que os espectadores nunca mais vão rir de novo”, brincou. “Mas também não quer que seja tão bobo que eles não levem nada a sério. Então é sempre uma questão de equilíbrio”. E, como a premissa deixa claro, há uma carga dramática em Shrinking, mas que definitivamente não ofusca seu humor.

A razão para isso está, entre outras coisas, em uma preferência pessoal do também roteirista. “A regra geral é: eu não gosto de coisas niilistas. Não gosto quando a mensagem no final é ‘não há esperança, não há por quê. Estamos f*didos’, sabe? Porque não me ajuda, já sei disso. Prefiro que, por mais sombria e difícil que seja a história, ela também me mostre alguma luz. Porque eu realmente acredito que isso é realista. A vida é assim”. Ponto de vista este compartilhado com Segel, embora ele seja mais econômico nas palavras e piadista: “acho engraçado ver adultos chorando”; e com Lawrence. “Tirar o estigma [da terapia] de forma cômica é o que realmente me interessa”, defendeu.

A atriz Jessica Williams, que interpreta a colega do protagonista Gabby, acredita que está aí justamente a força de produções como Shrinking. “Realmente gosto dessa ideia de dar para as pessoas vegetais, e elas pensarem que é sobremesa. Esse é o poder da arte e, particularmente, da comédia. A narrativa pode ser engraçada, como é o caso da série, e também ter uma mensagem sutil no plano de fundo de que os terapeutas também estão tentando. [...] Shrinking é uma série sobre pessoas tentando descobrir como viver com o luto e ser feliz ao mesmo tempo”.

Por isso, a mensagem que Williams tirou da série é simples, e nem por isso menos profunda: “está tudo bem se não estiver tudo bem”. “Espero que, enquanto borramos os limites e deixamos vocês verem as vidas pessoais deles, [a terapia] fique menos intimidadora e pretensiosa, e mais acessível”.

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