Oito anos depois da corrida espacial para a exploração de Marte, a estação Happy Valley se transformou praticamente em uma literal cidade no espaço, com todas as divisões que conhecemos. Enquanto cientistas e astronautas são considerados a elite, a classe trabalhadora, levada ao Planeta Vermelho pela Helios sob baixos salários e condições precárias de habitação e produção, se encolhe em quartos coletivos e apertados que ficam no subsolo da estação. Esta é a realidade de Marte na quarta temporada de For All Mankind, que deve colocar em primeiro plano que, antes de qualquer coisa, habitar o espaço é um negócio que visa os lucros.
Ao longo das três temporadas anteriores, uma coisa de que For All Mankind nunca teve medo foi de se soltar de histórias e personagens que pareciam (e, muitas vezes, eram mesmo) certos, para mergulhar em algo totalmente novo. Se isso rendeu momentos inesquecíveis, do sacrifício de Tracy (Sarah Jones) e Gordo Stevens (Michael Dorman) às tragédias causadas pelos irmãos Stevens, marcados pelo trauma, os saltos temporais que vieram como consequência dessas escolhas levaram embora o teor nostálgico.
Afinal de contas, a série está cada vez mais perto de um momento próximo demais da história contemporânea. Da corrida espacial durante a Guerra Fria ao início dos anos 90, FAM ainda estava longe o suficiente para criar um misto de curiosidade e descolamento que funcionava a favor da trama. Agora, já na década de 2000, tudo fica mais palpável e, dessa forma, a trama política perde um pouco de sua força.
É justamente por isso que, embora a NASA e a vida na Terra ainda tenham sua importância e o seu peso na quarta temporada, For All Mankind se concentra muito mais nos meandros da sociedade construída em Happy Valley do que nos cortes financeiros da agência, agora administrada por Eli Hobson (Daniel Stern) e mais higienizada do que nunca. Um Ed Baldwin (Joel Kinnaman) mais velho e que se recusa a voltar para a Terra, por exemplo, é ainda mais teimoso do que já foi nas décadas anteriores, o que promete criar tensões interessantes com a igualmente veterana Danielle Poole (Krys Marshall) enquanto Kelly (Cynthy Wu) e seu bebê de Marte ficam cada vez mais impacientes por seu retorno.
O foco em Marte, no entanto, é muito mais sobre as frustrações entre expectativa e realidade que a construção de uma sociedade perfeita. O próximo grande bom negócio, que seria a mineração de asteroides, prova-se uma missão mais complicada do que poderia parecer, e queima bilhões de dólares enquanto também cria trabalhadores impossibilitados de cumprir as funções para as quais foram contratados pelos próximos dois anos.
Neste sentido, é bom o espectador ir atento e controlar as expectativas no que diga respeito às explorações espaciais propriamente ditas. Grandes cenas de tirar o fôlego, que já foram recorrentes nos anos anteriores, dão lugar às dificuldades humanas, que se fazem presentes sobretudo com um novo personagem, Miles (Toby Kebbell), cujo olhar é o espelho do público para o quanto a classe trabalhadora permanece invisibilizada mesmo a milhões de quilômetros de distância da Terra.
Se o ponto forte de For All Mankind sempre foi a ousadia e a paixão pelo risco, a quarta temporada deixa claro que a série está mais do que disposta a dar saltos cada vez maiores. Ainda assim, no fim das contas, ela permanece sendo, em sua essência, um estudo sobre o quanto os traumas e a capacidade do ser humano de se unir em momentos de dificuldade são dois polos que lutam diariamente pelo futuro do(s) planeta(s).
Os novos episódios de For All Mankind são exibidos às sextas-feiras pelo Apple TV+.