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Station 19 | Derivado de Grey’s Anatomy é oportunista e superficial

Série peca ao tentar reproduzir o programa original

29.03.2018, às 12H42.
Atualizada em 30.03.2018, ÀS 06H04

Assistir a um episódio das duas primeiras temporadas de Grey’s Anatomy hoje em dia é visitar um começo de produção que ainda parecia querer se encontrar no mercado. Provavelmente, o grande exemplo da discrepância entre o que a série é hoje e o que já foi um dia, seja sua abertura original, com aquela musiquinha divertida e os itens característicos de um hospital sendo transformados em itens românticos. O que Shonda Rhymes vendeu para a ABC foi uma série sobre cirurgiões transando uns com os outros e essa ideia de ter um procedural sendo afetado pelas tramas pessoais dos personagens de modo bem mais incisivo, resultou num imenso sucesso de público.

Divulgação

De lá para cá, Shonda tentou algumas vezes emplacar novos modos de reprisar esse sucesso, mas suas duas outras crias bem sucedidas (Scandal e How to Get Away With Murder) não eram reproduções exatas do que víamos acontecer na série de Meredith Grey (Ellen Pompeo). Private Practice foi um derivado que durou bastante tempo (e era até bem mais eficiente na ponte com o original), mas não alcançava a cultura pop da mesma forma que Analise e Pope fizeram. Sabemos por cognição que um dos grandes erros que podem ser cometidos por um estúdio é tentar fazer a mesma ideia certa dar certo um milhão de vezes. Shonda não está por trás da criação do novo derivado de Grey’s Anatomy (Stacy McKee é a criadora), mas a sua marca é que se expõe no processo.

Station 19, contudo, não parece ter ouvido essa lição. Da narração em off no começo do episódio até o discurso motivacional que o encerra, tudo tenta invocar os signos dramatúrgicos que fizeram Grey’s crescer. Absolutamente tudo. Em alguns momentos é como se um papel carbono tivesse sido colocado na série original e uma cópia borrada, escorrendo tinta, tivesse virado o resultado disso. Station 19 é tão claramente oportunista e superficial que em muitos momentos parece ter sido inventada  só para que Shonda continuasse insistindo em fazer o espectador engolir Ben Warren (Jason George).

Andy’s Anatomy

Os eventos de Station 19 começam apresentando ao público a espevitada Andy Herrerra (Jaina Lee Ortiz), uma bombeira intensa, filha do capitão do batalhão, que passeia na sua vida pessoal entre o policial com quem namorou na adolescência e o colega de trabalho com quem tem dificuldades de entrega. Andy replica Meredith em tudo: a narração em off, nos problemas paternos, na falta de mãe, na amoralidade sexual, na coisa toda de namorar um colega de trabalho que quer se envolver enquanto ela rejeita a ideia, na competência quase infalível... É aterrador.

Todo o nó dramático da série se apoia na disputa entre ela e seu “noivo” pelo cargo de novo capitão, depois que o pai da moça passa mal e pede a renúncia do cargo. O piloto apresenta esse plot como central e aproveita para abraçar a ideia de empoderamento que acompanha o trabalho de Shonda há algum tempo. A diversidade de etnias do elenco, as abordagens livres de assuntos limítrofes, são pontos positivos de Station 19. Mas, eles param por aí.

É inadmissível que numa produção que pretende contar a rotina dos bombeiros, haja um investimento em sequências de resgate que beira o risível. Os efeitos especiais são ruins, as situações enfadonhas e a première ainda aproveita para nos cansar com longos e longos diálogos emocionais forçadíssimos. Há tanto drama desnecessário em torno de Andy, que a vontade é partir para cima dela confrontando-a com as maiores realidades de sua vida: ela é jovem, bonita, competente, tem um emprego, o pai tem câncer mas está vivo e existem dois homens lindos disputando-a (e um deles quer pedi-la em casamento). Não há coerência alguma naquela chorumela constante.

Nem mesmo as presenças de Meredith e Bailey salvam esse começo da frieza que ele transmite. Ben Warren é um dos personagens mais babacas e desinteressantes que Grey’s já teve e choca que tenha sido escolhido para fazer a ponte entre os dois títulos. Station 19 começa sua jornada com 0% de carisma. Considerando que a série original descobriu-se possuidora de sua fórmula bem depois que estreou, não há muita inteligência em tentar reproduzi-la exatamente no momento em que ela não sabia o que era. Os equívocos são incontáveis, mas os interessados podem continuar acompanhando a jornada. Station 19 é só uma cópia, mas quem somos nós para negar a eficiência dos genéricos.