Na última quarta-feira a sétima temporada do Lady Night terminou no Multi Show. Tatá Werneck precisará ficar ausente do talk show durante todo o ano de 2023 por conta da novela Terra Vermelha, próxima das 21 horas, que a levará de volta ao mundo de Walcyr Carrasco. Para o último programa, Tatá levou Fábio Porchat até o palco e em meio a familiares e improvisos, promoveu uma espécie de retrospectiva emocionada de toda a história compartilhada por eles desde antes da fama. Foi um "até logo" comovido, iniciando esse longo hiato mantendo em pauta o resultado involuntário do estilo da apresentadora: o vislumbre da humanidade de quem senta em seu sofá azul (roxo, lilás, nunca sei...).
A primeira convidada do Lady Night, sete temporadas para trás, foi Bruna Marquezine. As duas já eram amigas e esse detalhe ajudou a ditar um ritmo importante para aquela estreia (Bruna pode nem ter sido a primeira a ser gravada, mas a coisa toda funcionou mesmo assim). Bruna contou um episódio em que precisou levar Tatá ao hospital numa viagem à Nova York e a conversa - pela primeira vez na trajetória do programa - virou uma conversa de amigas numa mesa de restaurante. Era riso frouxo atrás de riso frouxo. Na entrevista seguinte, Anitta não saiu de lá sem antes imitar um "bezerro paranoico descontrolado".
Ainda naquela primeira temporada, Sandy (uma grande referência de comportamento hiper controlado e politicamente correto) apareceu disposta a tudo. Tatá, ciente disso, foi até todos os lugares por onde nenhum outro entrevistador iria e fez Sandy falar de cocô e de que tipo de depilação fazia. A escatologia poderia parecer - para o mais desavisado - uma muleta deselegante usada pela apresentadora, quando, na verdade, era o timing de comédia de Tatá que fazia com que falar de cocô libertasse o convidado de convenções que ele foi treinado para seguir.
Assim, vimos Juliana Paes mostrar numa paleta como era o desenho de pêlos de sua pepeca, vimos Grazi Massafera contar que roubou dinheiro de macumba, vimos Suzana Vieira acreditar que Flávia Alessandra tinha uma estátua num museu, vimos Ana Maria Braga admitir que já tinha provado "baba de moça", vimos Deborah Secco admitir que tinha feito menage várias vezes, vimos Selton Mello passar mal de rir numa cena dirigida por Tatá, vimos Xuxa contar que espancou uma menina na infância e que se lavava toda vez que ia ao banheiro fazer o número 2, vimos Otaviano Costa e Eduardo Sterblich promoverem horas do mais delicioso caos; e recentemente, Sabrina Sato tirou as calças durante a entrevista e Boninho fez piada com seu casamento com Narcisa.
O impacto que o programa traz não se resume somente ao que ela consegue tirar do convidado em forma de declaração. Tatá construiu grande parte do início de sua carreira fazendo improvisos e é realmente impressionante como ela consegue levar seus convidados - não importa quem sejam - para dentro de seus jogos. Se ela recebe alguém muito disponível, os jogos propostos são bem físicos; se ela recebe alguém mais discreto ou bem mais velho, os jogos são mais textuais, roteirizados, nunca privando o convidado de experimentar as dinâmicas, mas protegendo todos eles de não irem até onde poderiam não querer ir.
A cada temporada, por exemplo, o quadro "Meus Programa Minhas Regras" tem variações e essa sempre foi uma ótima estratégia para tirar o convidado do convencional sem ele nem mesmo sair do sofá. E com isso o público vê atrizes, atores, cantores e celebridades seduzindo, arrotando e respondendo perguntas em meio a surubas imaginárias. Nos check-lists (tanto os de sexo quanto nas variações), surgiram declarações que provavelmente nunca foram vistas em nenhum outro tipo de entrevista. Coisas como Claudia Raia dizer que já fez bolota de papel higiênico quando ficou sem absorvente e Miguel Falabella dizer que já tinha transado durante gravações externas.
Tudo isso é humor, é a busca por uma identidade em meio a tantos talk-shows que estão por aí no mercado; mas, também é um método - voluntário ou não - para fazer com que esses convidados desmontem as personas pelas quais ficaram conhecidos. Paolla Oliveira, Juliana Paes, Lilia Cabral, Claudia Abreu,Taís Araújo, Tony Ramos... são só alguns nomes do alto escalão de dramaturgia da Rede Globo que saíram do Lady Night confirmando ou mesmo mudando muito das percepções que o público tinha deles. Ainda que eles estivessem dando cambalhotas ou imitando capivaras, Tatá nunca deixou de trazê-los de volta para o centro da história de cada um. Você ri e você chora, tudo nos mesmos 45 minutos de duração de cada entrevista.
Fazer humor no mundo tem sido cada vez mais difícil. Há um universo de coisas que o humor precisou superar para seu próprio bem e outro universo de coisas que ele precisa contornar para continuar tendo espaço. Tatá Werneck supera e faz todos os contornos necessários para tornar o Lady Night uma peça de conforto e de orgulho para todos que passam por ele; e por uma razão muito simples: ela jamais deixa o convidado sozinho em nada que propõe. Se ela pergunta sobre um porre do convidado, logo em seguida ela conta um próprio; se ela pede ao convidado para lamber um copo de iogurte invisível, ela mostra a língua e faz o mesmo... Tatá foi criada no jogo cênico e é esse jogo que ela oferece aos convidados em todos os episódios. Tudo é junto, tudo é nosso... alegria nenhuma é boa se for sozinha.
No último programa da sétima temporada, Tatá recebeu Porchat e os dois têm em comum um amigo que talvez tenha sido o humorista mais amado que esse país já viu: Paulo Gustavo. Todos nós, que tínhamos pelo Paulo um afeto como o que temos por amigos de longa data, vimos Tatá e Fábio - que realmente eram seus amigos de longa data - se emocionarem ao falarem sobre como o humor é importante para que o indivíduo tenha paz de espírito. A arte como um todo sempre teve esse papel, mas a comédia funciona como as simpatias de começo de ano, como as subidas em escadarias sagradas, como os banhos de pipoca, como as orações e promessas canônicas... Uma gargalhada profunda desopila, relaxa, justifica o privilégio de estar vivo e o mais importante: o riso constitui memórias.
A sétima temporada do Lady Night acabou... Vai ser difícil esperar até 2024 para continuar vivendo o inesquecível.
Está definido que....
... nem todo convidado consegue reconhecer e embarcar no jogo que Tatá propõe. A entrevista de Fiuk foi eleita como a pior de todas, principalmente depois que os problemas causados por ele vazaram para a imprensa por uma pessoa da plateia. Fiuk não reagia ao jogo, mas, recentemente, GKay ganhou a atenção do Twitter ao conseguir o segundo lugar de pior entrevista pela razão oposta, que foi responder ao jogo, mas sendo combativa. Faltou a ela uma coisa imprescindível para ser uma boa convidada: escuta.
.... e também está definido que os especialistas PRECISAM voltar sempre. Por alguma razão na sétima temporada alguns episódios não tiveram os especialistas, mas eles continuam sendo uma parte incrível do programa. E o mais interessante é que essa desconstrução mencionada no texto funciona até mesmo nesse quadro, onde profissões seríssimas são celebradas enquanto passam pelo filtro caótico da apresentadora.
Está a definir...
... a volta do programa em 2024. Eu vou aproveitar para colocar abaixo a minha lista dos sonhos para a temporada oito:
Marisa Orth
Dani Calabresa
Ivete Sangalo
Paulinho Serra
William Bonner
Renata Lo Prete
Presidente Lula
Presidenta Dilma
Manu Gavassi
Dona Déa
Regina Casé
Camila Pitanga
Letícia Spiller
Fernanda Torres
Inês Brasil
Sobre a coluna Ovo Mexido
Todo mês, a coluna fala sobre tudo que diz respeito à televisão – da aberta ao streaming – com novelas, séries e realities; um espaço para “prazeres culpados" sem culpa nenhuma.