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Linha Direta retorna à TV mais sofisticado, mas sem ponto de vista

Bons recursos e boa apresentação de Pedro Bial elevam o programa, ao menos tecnicamente

5 min de leitura
HH
05.05.2023, às 14H04.

Créditos da imagem: Globo/Fábio Rocha

Embora o Linha Direta tenha ido ao ar em 1990 pela primeira vez, o registro que o programa tem para a maioria das pessoas é o de Marcelo Rezende, com seu tom de voz dramático, descrevendo crimes naquela melodia pausada, usando muitas palavras eloquentes; muito embora tenha sido Domingos Meirelles quem ficou à frente do programa por mais tempo. As lembranças do Linha Direta são duras, sombrias; e não é difícil que muitos incautos tenham sentido medo vendo algum dos programas. 

A linguagem do Linha Direta era influenciada diretamente pelo seu objetivo primordial: prender criminosos. Por causa disso, é claro, precisava dialogar com o popular, com o direto e o simples. Seus roteiros eram expositivos e as simulações encenadas – mesmo que sem nenhuma inventividade – precisavam existir para alcançar a empatia do espectador. Era através delas que testemunhas eram convencidas a fazer denúncias. Elas empobreciam um pouco o produto final, mas tinham uma função inquestionável. 

Em 2007, quando deixou de ir ao ar, o programa já tinha capturado mais de 400 criminosos. A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro concedeu à TV Globo uma medalha de honra pelos serviços prestados às autoridades. O programa funcionava, era sucesso de audiência e mantinha ligado à rede o nicho de espectadores que fazia a estrutura continuar girando. Contudo, com o tempo foi pairando sobre a atração uma discrepância entre sua forma e os objetivos da emissora; que vinha claramente num processo de reenquadramento de programação. As noites após a novela das 21h eram dedicadas às séries nacionais e reality shows. O Linha Direta era o ponto fora da curva. 

Chegando até os dias de hoje, o gênero True Crime vive um outro momento, uma outra forma, uma outra estrutura. De fato, ele agora se imbui de suas características e sua nomenclatura. Estamos falando de um filão do streaming, que principalmente através das séries documentais, estabeleceu uma linguagem vigente que vai se reproduzindo progressivamente. Vivemos a era em que os documentários sobre crimes famosos tem depoimentos, animações, registros imagéticos de todo tipo; e onde as encenações são ilustrativas, sem diálogos e geralmente estilizadas. O Linha Direta não poderia voltar como ele era; claro que não. 

Linha Indireta

A primeira decisão estética foi a de colocar Pedro Bial à frente da apresentação. Pedro é quase o “anti-Marcelo Rezende”. Sua voz está associada a discursos poetizados para eliminar participantes de reality show e a tons afáveis de intelectualidade. É quase como se o Jô Soares estivesse apresentando o programa. Bial foi uma escolha calculada para dar ao retorno um novo tipo de credibilidade, muito mais associada à essa maneira contemporânea de relatar eventos criminais. 

Junto de Pedro vieram os recursos. No primeiro episódio da temporada foi montada no estúdio uma réplica de partes estruturais ligadas do Caso Eloá, de 2008: a planta da casa, a icônica janela por onde ela aparecia... Tudo muito elegante e muito respeitável. Os envolvidos diretamente na história se recusaram a aparecer, o que enfraqueceu alguns pontos da narrativa, tornando a escolha do caso para a estreia um pouco ambígua. Bial conseguiu falar com o negociador, com especialistas e técnicos. Mas, Eloá passou apenas pela ótica de um dos sobreviventes libertados no começo do sequestro e de uma vizinha da família. A coisa toda ficou esquisita, já que é em programas policiais vespertinos que costumamos ver vizinhos, “amigos da família” e “conhecidos da região” dando exaustivas declarações sobre o pouco que sabem dos acontecimentos. 

Globo/Fábio Rocha

Todo o apuro técnico que revestiu o programa de erudição poderia ter sido melhor direcionado para a construção de um ponto de vista mais incisivo. Sabemos que a questão do tempo de tela é relevante aqui; o programa entra no ar depois das 23:30 e não pode durar – na cabeça de seus idealizadores – mais que 40 minutos. Com isso, a transposição de seus objetivos para os dias de hoje sofre algumas consequências. 

Nessa estreia, o Caso Eloá tinha duas vertentes importantes, sendo o tópico do feminicídio a mais importante delas. É claro que por tratar-se de uma peça jornalística com um jornalista à frente, o roteiro do programa acabou sendo mais direcionado para a ética da imprensa – ou a falta dela, na verdade. No penúltimo bloco, houve uma atenção interessante a esse tópico, mas que, ainda assim, careceu de certa profundidade. A intromissão da apresentadora Sônia Abrão no trabalho da polícia serviria como o exemplo derradeiro do quanto a imprensa foi negligente com a vida de Eloá. Mas, provavelmente por questões jurídicas, o episódio envolvendo a apresentadora foi suprimido a uma declaração, sem nomes e sem imagens. 

No último bloco do programa, em seus 5 minutos finais, foi apresentado um caso sem resolução. A organização foi, no mínimo, questionável. Passamos 40 minutos vendo um caso solucionado e 5 minutos vendo um não-solucionado, que não teve destaque, não teve narrativa, não teve catarse alguma. Sabemos que o programa vai alternar casos famosos com casos sem conclusão, mas é problemático esperar até os 5 minutos finais, já depois da meia-noite, para cumprir a expectativa primordial do programa: ajudar na caça a culpados. A coisa fica mais preocupante quando o roteiro também deixa para esses minutos finais a importante discussão acerca do assassinato deliberado de mulheres no nosso país. 

Ficou uma sensação de que em busca dessa sofisticação o caso considerado anônimo foi relegado aos minutos finais, para não poluir essa proposta “true crime clean”. Se foi uma decisão puramente considerada para a estreia, o erro persiste. A família da menina morta que teve seu rosto exibido naquele último bloco merecia mais atenção. 

A nossa estranha fascinação por investigações criminais está vivendo seu momento de maior ascensão. Contudo, diferente de todas as outras produções do gênero, o Linha Direta tem – ou pelo menos tinha – preocupações maiores. Nessa bifurcação entre a curiosidade pelo crime notório e a responsabilidade, a balança não pode pender para o espetáculo puro e simples, ou uma nova injustiça com as vítimas será cometida. Testemunhas não serão convencidas com arremedos narrativos. O nome do programa não é Linha Indireta.